Cinco de setembro de 1971. Era um domingo como este, exatos 50 anos atrás. Nas bancas de Campina Grande, começava a ser vendido o primeiro exemplar do Jornal da Paraíba, um novo periódico que nascia pelo desejo de 12 empresários locais de dar relevância aos fatos da cidade. Nasceu como semanário, depois virou diário, com o tempo passou a ser comandado exclusivamente pelo empresário José Carlos da Silva Júnior, naquilo que foi o berço da Rede Paraíba de Comunicação. Virou estadual no início dos anos 2000, reinventou-se várias vezes ao longo das décadas até entrar de vez na era digital.
>> Veja a página especial dos 50 anos do Jornal da Paraíba
Uma história ainda em curso, que ajudou e ajuda a contar a história da Paraíba. Que narrou disputas políticas das mais acirradas, conquistas esportivas incríveis, tragédias terríveis, episódios marcantes.
Ao mesmo tempo, modificou para sempre a história de jornalistas e escritores que ao longo dos tempos passaram pelas suas redações (clique nas capas para ampliá-las).
Sim, porque foram muitas as pessoas que já trabalharam e colaboraram com o Jornal da Paraíba. Que foram essenciais para transformá-lo numa marca forte, com credibilidade, sinônimo de textos bem escritos e de boas pautas jornalísticas. Aliás, essa sempre foi uma marca do jornal.
Para se ter uma ideia, um desses nomes que passaram pelo Jornal da Paraíba é Gonzaga Rodrigues. Jornalista e escritor, imortal da Academia Paraibana de Letras (APL), considerado um dos principais cronistas vivos do estado. Durante anos e mais anos, escreveu sobre o cotidiano paraibano. Sobre os personagens das cidades, a boemia, os fatos marcantes. Ajudava a transformar as páginas do periódico num espaço também da literatura.
Tanto, que, ao relembrar da sua coluna, adota um tom nostálgico: "Eu tenho muita saudade da minha crônica. Eu a escrevi durante seis ou sete anos e tinha total liberdade. Era literatura nas páginas dos jornais".
Ele comenta também que, da época do impresso, ficou a credibilidade, a preocupação com a checagem, com a notícia. Algo que é muito importante nos dias atuais.
A notícia no Jornal da Paraíba é qualificada. Ela tem uma origem, tem uma assinatura, tem responsabilidade. Não é nada feito ao acaso, em que se coloca o que bem entender, como acontece nas redes sociais.
Opinião parecida tem o jornalista Arimatéa Sousa, que durante muitos anos trabalhou no Jornal da Paraíba e que foi de estagiário a editor-geral, ainda nos tempos em que o veículo era restrito a Campina Grande. “O Jornal da Paraíba é uma marca histórica. E um de seus pilares é a credibilidade. Isso faz toda a diferença num mundo com várias modalidades de notícia”, indica, completando que em tempos de notícias falsas a imprensa séria é um contraponto fundamental.
Quando o jornal virou estadual, Arimatéa começou a escrever a coluna política Aparte, inspirada no Painel da Folha de São Paulo. “Notas curtas, muitos assuntos em pouco tempo. O resumo da vida política e econômica da região”, descreve. Foi sucesso imediato. “Aparte é meu sobrenome profissional”, brinca ele.
Um passeio pelos avanços tecnológicos
Revisitar as diferentes redações do Jornal da Paraíba ao longo dos tempos é fazer também um passeio pelas revoluções tecnológicas que foram vivenciadas em 50 anos. Das máquinas de escrever aos computadores portáteis, dos telefones fixos aos celulares, dos discos de vinil às plataformas de música, dos aparelhos de fax à internet.
A jornalista Claudeci Ribeiro, por exemplo, acompanhou o processo de informatização do jornal. “As pessoas do Jornal da Paraíba tinham um espírito inovador que foi acompanhando as mudanças”, opina. Mas, ela explica, o bom trato da notícia era o fio condutor que acompanhou todas essas fases: “A primeira orientação sempre foi respeitar a verdade. O desafio é acompanhar as mudanças sem perder essa essência”.
Na mesma linha, William Medeiros foi um dos profissionais que mais de perto viveram essa revolução tecnológica. Isso porque, durante muitos anos, participou de uma forma ou de outra do processo de diagramação do Jornal da Paraíba. E integrou a equipe que pensou o último projeto gráfico da versão impressa do jornal.
Em quase duas décadas de trabalho, viveu de perto a transição do analógico para o digital. A fase em que a montagem da página era praticamente artesanal, para um período posterior em que tudo era feito no computador.
“O Jornal da Paraíba foi para mim uma grande escola. Tive grandes profissionais que me ensinaram tudo”, destaca William, hoje um premiado artista, com vários livros de ilustrações já publicados.
Para ele, o sucesso do jornal ao longo das décadas está na liberdade que seus profissionais recebem para criar, produzir, inventar. E isso fez com que, pouco a pouco, a imagem fosse se tornando um diferencial importante.
Isso porque, na época do analógico, a montagem das páginas permitia apenas a inclusão de fotos, muitas delas apenas em preto e branco. Mas isso foi se modificando com o passar do tempo e com a chegada do computador. “A imagem ganhou ainda mais potência”, define.
E William, como artista, fazia a festa. Em matérias especiais, principalmente na área de cultura, colocava a arte em ação e ajudava a destrinchar textos nem sempre tão simples. “A ilustração enriquecia o texto. Dialogava com ele. Não era nada gratuito”, explica, lembrando com carinho de um suplemento que existiu no jornal nos anos 2000. “O Caderno Augusto foi um laboratório fantástico, A gente brincava de diagramar e nenhuma página saía igual a outra”, comemora.
Um jornal, grandes coberturas
As grandes coberturas são os momentos que marcam um jornal. Mais do que isso, que marcam os jornalistas envolvidos na produção da notícia. E, durante 50 anos, foram muitas. Nas mais diferentes áreas. Nomes importantes do jornalismo político, cultural, esportivo, de cidades passaram pelas suas redações.
Josusmar Barbosa, repórter político do Jornal da Paraíba durante 15 anos, foi um desses nomes. Cobriu disputas eleitorais, cassações, debates, acirramentos. Conheceu presidentes da República, entrevistou muitos deles, vivia intensamente o turbilhão que era acompanhar o dia a dia político de Campina Grande e da Paraíba.
Para trabalhar nessa editoria, você tem que gostar. Tem que ter a política no sangue
Entre tantos momentos, destaca um curioso. Mas que, ao mesmo tempo, mostra a determinação em busca da notícia bem apurada. Eram as eleições de 2008 e Veneziano Vital do Rêgo tinha acabado de ser reeleito prefeito de Campina Grande. Ele foi atrás de Veneziano e o encontrou no apartamento do irmão. Ao chegar ao local, Veneziano entrava no elevador, já lotado. Josusmar não pensou duas vezes. Correu para a escada e subiu mais de 10 andares a tempo de pegar a entrevista da vitória.
“Foi a manchete do dia seguinte”, lembra Josusmar Barbosa, como quem comemora um gol marcado.
Outro momento forte, ele diz, foi a visita dos petistas Lula e Dilma Rousseff a Monteiro, para visitar as obras de transposição do Rio São Francisco. Presente no evento, ele descreve: “Era impressionante a quantidade de pessoas. São momentos que marcam a gente”.
A propósito, Josusmar é mais um a dar um depoimento interessante sobre as transformações tecnológicas que viveu no Jornal da Paraíba. Repórter da “velha guarda”, nas eleições de 2016 ele cobriu os bastidores do debate para a Prefeitura de Campina Grande realizado pela TV Paraíba pelo Twitter. “Eram os novos tempos”, diverte-se.
Da área cultural, o jornalista Renato Félix foi outro que colecionou boas histórias. Ele fez parte de uma espécie de “time dos sonhos” do Vida e Arte, o caderno cultural do Jornal da Paraíba. Era ele como especialista em cinema e quadrinhos, André Cananéa como especialista em música e cinema, e Astier Basílio como especialista em literatura e teatro. “Foi a grande fase do jornalismo cultural do Jornal da Paraíba”, orgulha-se.
Era um trabalho hercúleo. Dar espaço para a cena local, divulgar e repercutir as produções paraibanas, sem esquecer o que se passava também no Brasil e no mundo. “A gente tentava abraçar um espectro muito grande”, enfatiza.
Algumas entrevistas foram antológicas. Com o cineasta Fernando Meireles, com o cantor Ney Matogrosso, com o desenhista Keno Don Rosa, o principal roteirista do Tio Patinhas ao longo do século 20. Pessoas aparentemente inacessíveis e que, a despeito disso, eles conseguiam contato, cutucavam, transformavam o material em ricos diferenciais.
Não parava aí. Cobriam os eventos, traziam críticas de livros, de discos, de filmes, de peças de teatro, iam a festivais, etc. E, não tardou, o reconhecimento veio. “Astier virou um dramaturgo dentro do Jornal da Paraíba. E eu acabei sendo convidado para integrar a Associação Brasileira de Críticos de Cinema por causa de meu trabalho, das críticas que eu escrevia no jornal”.
Em alguns momentos, aliás, o jornalista virava um pouco fã, ainda que não fugisse de seu papel de escrever uma boa matéria, de fazer a pauta render. Mesmo assim, Renato Félix cita entrevistas que fez com a bailarina e coreógrafa Deborah Colker e com o desenhista Maurício de Sousa, da Turma da Mônica. “É uma coisa prazerosa demais entrevistar quem você admira”, derrete-se.
A vida em um clique
A história do Jornal da Paraíba está também umbilicalmente ligada aos grandes fotojornalistas que passaram por lá. E, dentre tantos, pode-se destacar o premiado Francisco França, vencedor do Prêmio Wladimir Herzog de Direitos Humanos e finalista do Prêmio Esso, dois dos grandes prêmios do jornalismo brasileiro. E isso sem contar os inúmeros prêmios locais que ele também venceu.
A sua foto mais famosa, de 2012, é justamente aquela que se destacou nos prêmios nacionais. Intitulada “O amor é o dom maior”, mostra toda a contradição de um assassinato brutal em meio a um cenário urbano que pregava o amor. Aliás, a foto é emblemática também porque no local do crime estavam dezenas e mais dezenas de jornalistas, mas ele foi o único que percebeu o cenário em sua totalidade, que encontrou o ângulo correto para a foto.
“O desafio de um fotojornalista é justamente o de ver o ambiente ao seu redor, perceber os elementos da cena, transmitir tudo o que precisa em apenas uma imagem”, ensina.
Houve outras fortes, claro. A primeira que venceu prêmio foi uma que mostrava uma casa pegando fogo, durante uma ordem de despejo. A mãe, desesperada, com a filha ao lado, vendo sua residência pegar fogo. “Às vezes, era a foto que provocava a pauta e não o contrário”.
França, a propósito, é outro que fala do abismo que existia entre os tempos analógico e digital. Antes, o fotógrafo saía com um filme de 36 poses. Precisava economizar, escolher bem os cliques, avaliar o momento certo para cada foto. Depois, as coisas ficaram mais livres. Sem filmes, não havia limites. Num protesto de rua, por exemplo, chegava a tirar 200, 300 fotos numa mesma cobertura. Para, daí, selecionar 10 que seriam enviadas aos editores, que por sua vez escolheriam uma ou duas para ser publicada.
Mesmo assim, para ele não há dúvidas de que a tecnologia não elimina a necessidade de um bom profissional.
Não é apenas clicar, apertar um botão. Fotografar é a capacidade de transformar em uma única imagem o que o texto está falando.
Além do mais, tem o risco. Ele explica que já foi ameaçado de morte, já se viu em meio a tiroteio, já precisou se esconder para se proteger. “A gente tem que vencer o medo”, resume.
Os novos tempos
Desde 2016, a versão impressa no Jornal da Paraíba não circula mais, mas a história do veículo segue na internet, acompanhando as novas descobertas e os novos formatos. Está presente em forma de notícias, de blogs, de podcasts. Debatendo, tal como antes, política, cultura, esporte, tudo o mais.
É claro que uma mudanças dessas mexe com os nostálgicos. A escritora Elizabeth Marinheiro, que durante muitos anos escreveu sua coluna Tessituras nas páginas do Jornal da Paraíba, admite saudades do papel. Mas as mudanças eram uma exigência dos tempos atuais.
O Jornal da Paraíba hoje une a mesma preocupação com a notícia de antigamente com a agilidade dos dias atuais. Numa história que ainda promete ser longa.