Mangabeira é um dos bairros mais jovens de João Pessoa. São 39 anos de um crescimento econômico e social que provoca espanto em quem, no passado, criticou o seu surgimento. O bairro nasceu como um conjunto habitacional e as casas eram destinadas a abrigar as numerosas pessoas que migraram do Sertão da Paraíba para fugir da seca, em busca de oportunidades de emprego. Na época, houve quem criticou a medida e fez de tudo para impedi-la, alegando que o bairro se tornaria a "Grande Favela" da cidade. Hoje, passados 39 anos, Mangabeira é um dos grandes pólos de desenvolvimento da capital paraibana.
Mangabeira é o bairro que contrariou seu destino, afirma a historiadora Katielle Dayvianne. Ela possui um estudo que apresenta a evolução econômico comercial do bairro e busca explicar “como um conjunto habitacional, que tinha por finalidade, em parte, solucionar a questão da habitação popular e que foi entregue aos mutuários, inacabado, conseguiu se tornar um importante centro comercial de João Pessoa”.
Dada a sua origem, o mangabeirense é um verdadeiro “ser sertânico transplantado na zona da mata”. Quem está no bairro desde as primeiras habitações ainda recorda do Sertão deixado na lembrança. Contando com cerca de 76 mil habitantes, é o bairro mais populoso de João Pessoa.
“Caso fosse um município do estado da Paraíba, o bairro de Mangabeira seria o 6º em número de habitantes e perderia apenas para João Pessoa (723.515 habitantes), Campina Grande (385.213), Santa Rita (120.310), Patos (100.674) e Bayeux (99.716)”, escreve Anselmo de Oliveira, responsável pelo estudo “Memórias e histórias dos moradores da comunidade de Mangabeira”.
Quem está na rua, tem pressa. Remetendo ao surgimento do bairro, a necessidade por moradia fez os mangabeirenses inaugurarem o conjunto habitacional Tarcísio de Miranda Burity, que dá origem ao bairro, antes mesmo da entrega das casas. O estado precisou antecipar a entrega das chaves. “Já havia inúmeras invasões das casas que estavam aguardando a finalização dos equipamentos básicos para a entrega oficial como saneamento, água encanada e pavimentação das ruas. O povo não quis saber de esperar e pressionando as autoridades os forçaram a entregar o bairro e inaugurá-lo antecipadamente”, afirma um antigo morador, em entrevista para a pesquisa de Anselmo de Oliveira.
Por esse motivo, a disputa narrativa acerca da data oficial de inauguração do bairro é uma polêmica. “Seria em 23 de abril de 1983, como afirma até mesmo uma placa existente na CEHAP ou em 23 de julho de 1983? Muitos moradores divergem entre si a respeito deste tema e talvez a iniciativa da população em invadir as casas nos dê um indício de como este impasse começou”, diz Anselmo em seu estudo.
Parecia que tínhamos saído da escravidão para a liberdade. Todos, esperançosos, num misto de alegria e saudade. Alegria por estarmos vislumbrando um novo horizonte, e saudade dos amigos e parentes que tínhamos deixado”
Isso faz com que a luta por moradia marque a vida do bairro desde o seu início. “Mangabeira foi criada pra atender o público das camadas populares. Consequentemente, existem muitas ocupações, muitas moradias irregulares no bairro de Mangabeira. Pelo olhar mesquinho das elites, com certeza olham para Mangabeira e enxergam uma grande favela até os dias atuais. Existe uma visão de marginalização do bairro de Mangabeira”, afirma Enzo Cabral, estudante do curso de história e morador de Mangabeira. Na graduação, ele pesquisa sobre a própria história do seu bairro.
As autoridades tinham uma grande preocupação em relação à imagem do Conjunto Habitacional Tarcísio de Miranda Burity, explica Enzo Cabral. “Tem uma edição do jornal A União que trata o conjunto habitacional como uma espécie de cidade satélite de João Pessoa. Destaca as suas dimensões e potencialidades enquanto uma cidade satélite. Para as autoridades, esse projeto habitacional tinha uma grande importância, até mesmo para suprir esses problemas habitacionais”.
O conjunto de Mangabeira foi o maior projeto da época. Isso é notado quando comparado ao projetos dos outros bairros de João Pessoa. “Possuindo seis etapas, apenas a primeira (Mangabeira I) tinha mais de 3200 moradias, número muito superior a outros conjuntos construídos em meio a esse contexto, como o Bancários (aproximadamente 1500 moradias) e Castelo Branco (aproximadamente 630 moradias)”, Enzo recapitula.
Distante do centro
Ao mesmo tempo em que a construção dessas habitações buscava atender à demanda popular, ela também intensificou as desigualdades e segregações socioespaciais da cidade. Enzo chama atenção para o fato de que, na época, a população que estava à margem se concentrava na região do centro da cidade, mas que paulatinamente se deslocava sentido praia. Para ele, a desigualdade é intensificada, “uma vez que eles destinavam essas populações socialmente desfavorecidas para regiões distantes do centro”, destaca o pesquisador.
Assim, apesar de ser um bairro multifacetado sócio-economicamente e culturalmente, o traço popular é, ao meu ver, a grande marca da história do bairro.
“A história é a história dos vencedores” responde Enzo sobre o que lhe motiva estudar a história do seu próprio bairro. “Assim que entrei no curso de história, uma das minhas maiores vontade era de poder pesquisar e escrever a história do meu bairro. Um bairro popular, que carrega consigo a marca e as dores do processo histórico, da violência histórica da formação da nossa sociedade e nação.
“Mangabeira em mim é esse berço. Esse lugar de pertencimento, de contemplação que me faz ter vontade de produzir e aprofundar, de colocar essas pessoas que compõem esse lugar dentro dessa história escrita Escrever e pesquisar Mangabeira é valorizar o cotidiano, a força das pessoas que aqui estiveram”, diz o estudante de história.
Mangabeiridade
Mangabeiridade é a expressão que Enzo utiliza em seus textos para explicar a heterogeneidade do bairro. “É muito interessante perceber as pluralidades identitárias de Mangabeira, cada Mangabeira tem sua especificidade em relação a sua realidade, aos seus traços de pertencimento. Ser morador de Mangabeira I, não é a mesma coisa que ser morador de Cidade Verde ou de Mangabeira 7”, diz o estudante.
Apesar das particularidades de cada uma, existe um elo que une todas as Mangabeiras: a Josefa Taveira. Essa avenida é o ponto de encontro das diversas realidades mangabeirenses, segundo Enzo. O ponto compartilhado, onde estão os personagens icônicos que constroem o imaginário social dos moradores de Mangabeira.
Eu digo que, muitas vezes, a união das mangabeiras é a Josefa Taveira. A Josefa Taveira é um lugar que pulsa identidade.
Ao falar da Josefa Taveira, encaramos uma grande característica do bairro: o ser comercial. “Ser comercial faz parte do seu processo. No momento que você faz um conjunto habitacional com uma dimensão enorme, as pessoas que começam ali habitar trazem seus sonhos consigo, de abrir um comércio. Traz consigo a necessidade de comprar coisas, e assim a Josefa Taveira, a principal avenida, vai se tornando esse subcentro comercial da cidade”, diz Enzo.
Essa é apenas uma faceta do bairro, mas existem outras. Enzo chama atenção especialmente para a vida cultural do seu bairro. “Mangabeira é um berço cultural de muitas quadrilhas juninas, bandas alternativas, expressões culturais como a batalha do coqueiral e a batalha de passinho, expressões culturais periféricas”.