Conversa Política
1 de dezembro de 2021
17:19

De algoz a parceiro: sol do Sertão paraibano atrai investimentos, gera empregos e estimula capacitação

Região tem uma “ilha de calor”, onde foi registrada uma das maiores irradiações solares do mundo.

Matéria por Laerte Cerqueira e Angélica Nunes

O sol, no Sertão da Paraíba, já não reflete apenas sacrifício e falta de oportunidades. Emanuel Messias, de 23 anos, encontrou na cidade onde nasceu e se criou, Coremas, a quase 400 km de João Pessoa, o trabalho que trouxe renda para dentro de casa, uma vida mais tranquila, financeiramente, e perspectivas de futuro.

Muita gente se deslocava para fora para buscar uma renda para a família e eu não precisei disso e hoje muitas famílias não precisam”, afirmou.

As fazendas de painéis fotovoltaicos, grandes áreas de terra cobertas por placas, que transformam raios solares em energia elétrica, começaram a ser construídas há pouco mais de cinco anos nessa região do estado. Foi quando Emanuel, que tinha acabado de fazer 18 anos, conseguiu um emprego e descobriu uma profissão.

“Peguei do início da obra até o final. Eu sou eletricista de comissionamento. Eu que testava tudo para poder entregar para empresa […] se a empresa for embora, eu tenho hoje uma profissão para chegar ir para qualquer lugar para dizer que tenho capacidade de fazer e fazer”, explica com orgulho Emanuel.

Emanuel Messias, 23 anos. Foto: Reprodução/ TV Cabo Branco/Imagem: Beto Silva

Os investimentos na instalação de sistemas para geração de energia solar centralizada já passam dos R$ 1,6 bilhão na Paraíba, segundo o governo do estado e a empresa Rio Alto, responsável pelos principais investimentos no setor no estado.  Nesse modelo, grandes empresas mandam o que produzem nas usinas para o sistema nacional de energia elétrica. As distribuidoras fornecem para as casas. A energia também pode ser comercializada no mercado livre.

Segundo Márcio Trannin, vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Solar, esse tipo de empreendimento é o que mais gera empregos diretos e indiretos. “Muito acima das outras tecnologias, quando digo acima, mais que o dobro, mais que o triplo das outras tecnologias. Por quê? Porque ela capilariza. Então, você tem toda a cadeia produtiva, os instaladores, os agregadores, os mantenedores. Como ela é pulverizada, ela gera muitos empregos”, explica.

Para ele, a solar é mais democrática por estar em todos os lugares. Então, isso faz que o potencial seja muito maior.

 

 Usinas solares em Coremas. Até o fim do ano oito usinas estarão em funcionamento. Foto: Neguinho Marques  

Potencial  da Paraíba

A área representada pela cor laranja neste mapa abaixo forma uma espécie de ilha de calor no Sertão da Paraíba, uma extensa área que cobre o oeste da Bahia e uma pequena parte do norte de Minas Gerais. A região tem uma das maiores taxas de irradiação solar do mundo.

“O pior índice de irradiação aqui na Paraíba é superior ao maior índice que a gente encontra na Alemanha. Só uma escala de comparação. Então, a gente foi muito privilegiado com relação a irradiação solar”, afirma Euler Macêdo, professor da Universidade Federal da Paraíba.

Nessa área, na Paraiba, fica Coremas, onde tem uma potência atual instalada de 90 megawatts. Até maio de 2022 serão mais de 150 M/W (pico). O suficiente para abastecer 400 mil casas, cerca de mais de 1,5 milhão de pessoas. De acordo com especialistas, 1 M/W é suficiente para abastecer cerca de 500 residências. Consideramos, então, uma média do IBGE de 4 pessoas por família.

Há usinas também na divisa de Malta e Condado, a 340 km de João Pessoa. Na região, mais seis usinas deste tipo estão sendo implantadas e outras 12 estão com a construção autorizada, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Ainda estão previstas instalações em São João do Rio do Peixe, São José da Lagoa Tapada.

 

Tecnologia

Ter uma das melhores irradiações solares do mundo não garante o melhor aproveitamento do sol. É a tecnologia das placas que potencializa a captação. Em Coremas, por exemplo, a energia é gerada de maneira direta e em algumas usinas com o reflexo da luz no solo.

Vitor Lopes, engenheiro eletricista da empresa Rio Alto, explica como funciona tecnicamente:

A energia é gerada através de irradiação direta e difusa dos raios solares. Num dia nublado, a própria reflexão do terreno. Por que os módulos hoje já são bifaciais. Consegue gerar pela irradiação direta e por debaixo também”.

Vitor Lopes, engenheiro eletricista da empresa, explica como funciona a geração de energia elétrica por meio das placas em entrevista a Laerte Cerqueira. Foto: Beto Silva.

E a medida que o sol se movimenta, as placas vão junto. Tudo automatizado. “As placas, elas têm um tracker, que faz a rastreabilidade do sol e assim tem uma produção melhor na geração de energia. Quando o sol vai se deslocando, elas vão acompanhando o sol”, explica Vitor.

 

 Área de expansão de usinas solares em Coremas. Trabalhadores fazem a terraplanagem. Foto: Neguinho Marques.  

Maior parque da América Latina

Entre Santa Luzia e São Mamede, às margens da BR-230, está prestes a ser implantado o maior parque solar da América Latina.

Os números são gigantescos: a área equivale a mais de 2.240 campos de futebol. Os terrenos são arrendados. Vão ser instaladas mais de 2,5 milhões de placas solares em 28 usinas, de acordo com a empresa Rio Alto, com um investimento total de mais de 2 bilhões.

Área onde será instaladas as novas usinas, entre Santa Luzia e São Mamede. Foto: Neguinho Marques/ Arte: Williams Campos

O potencial da região também pode garantir mais horas de trabalho para quem está com idade avançada. Isso permitiu que Seu Marcos voltasse a viver perto da família, na terra natal, Coremas.

Se não fosse essas empresas aqui a gente tava ruim mesmo. Tava todo mundo, os profissionais, sem emprego. Agora tem emprego bastante. Só não trabalha quem não quer”, comemora.

Com mais dinheiro circulando nas cidades onde os projetos são instalados, a economia se aquece. E quem não tem medo de colocar a mão na massa, faz ela crescer.

Alexandre Andrade precisou de três anos de carteira assinada, em uma das empresas instaladas em Coremas, para se organizar financeiramente e colocar em prática um sonho: ser dono da própria pizzaria. Pedi demissão pra colocar minha pizzaria. Pequenininha, menor que essa aqui. Mas hoje estou no ponto que tenho sete funcionários trabalhado comigo” , explicou.

O aumento de consumidores na cidade e a melhoria do poder de compra dos moradores dão um gás a mais ao negócio. Os ex-colegas de trabalho viraram clientes. Os amigos ganharam emprego.

“Tô feliz porque eu tô fazendo a minha profissão que eu sempre sonhei ‘de’ ter”, comemora.

Amanhã

Na reportagem de amanhã, vamos trazer informações sobre a potência instalada dos sistemas de energia solar distribuída na Paraíba. E ainda nesta série, teremos informações sobre os impactos socioambientais. Especialistas questionam sistemas de contrato e falam sobre aumento da devastação da caatinga.

Colaboração: Luana Almeida