Por José Nunes*
Ariano Vilar Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927 na Parahyba do Norte, capital da Paraíba que mais tarde passaria a se chamar 'João Pessoa'. Nome que o poeta paraibano se recusava a verbalizar por carregar o sangue e a dor que a família carrega até hoje.
Mesmo marcado pelo ressentimento, os fatos e acontecimentos que marcaram o ano de 1930 na Paraíba, notadamente a vida de seu pai, João Suassuna, de familiares e de aliados políticos, associado às raízes culturais do Sertão, são as bases da obra literária de Ariano Suassuna, composta de romances, poemas, peças de teatro, pinturas, iluminuras e desenhos.
Os acontecimentos políticos de 1930 na Paraíba, que culminaram em assassinatos e perseguições, mais de noventa anos depois continuam a repercutir e a exigir aprofundados estudos e análises documental para esclarecimentos à História.
Como ele costumava dizer que passou toda a sua vida buscando decifrar as razões que levaram ao assassinato de seu pai, “de forma traiçoeira numa emboscada”. Escrever sobre aqueles acontecimentos era, no seu entender, manter viva a memória daquele que foi o seu rei e seu herói. Revelou, certa vez, que em mais de uma oportunidade tentou escrever a história do pai, mas era dominado pela emoção.
Sua obra máxima, “Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, que passou mais de duas décadas elaborando, está a presença do pai, como um Dom Sebastião I, rei de Portugal que, em 1578, desapareceu em uma batalha para nunca mais voltar, mesmo que no imaginário voltaria um dia.
Nesse sentido, João Suassuna assume papel preponderante na obra de Ariano, uma obra que pretende ser um protesto contra tudo o que fizeram com sua família e os correligionários de seu pai e, 92 anos depois dos acontecimentos, continua a repercutir.
Agora, com se faz memória de Ariano Suassuna por ocasião do seu nascimento, rever os caminhos da história é manter presente o desejo dele para que os caminhos percorridos pelo seu pai, nas terras por ele consideradas luminosas, continuem sendo habitados.
Uma história recheada de episódios de sangue, de traição às amizades e constantes desavenças que perduram porque passaram da civilidade para a brutalidade, do ódio ao rancor na imposição da vontade imperativa e da ganância pelos louros do poder.
Aqui morava um rei
Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.
Ariano Suassuna
Se no decorrer da nova forma e sistema de governo que no País foram implantados, quando foi destituída a Monarquia em novembro de 1889, a partir do golpe militar comandado pela Marechal Deodoro da Fonseca, com apoio de proprietários de terras, senhores dos cafezais, da pecuária e da cana de açúcar, insatisfeitos com a perda da força do trabalho escravo, daí, novas formas de dominação surgiram nos Estados.
Na Paraíba, sem dúvida, começaram a aparecer as personalidades que criaram vínculos com o poder republicano para, a todo o custo, continuar usurpar no comando político. O surgimento lideranças, com raízes nas mesmas linhagens escravocratas ou procedentes da brutalidade de terras ressequidas dos sertões, não demorou desgradearam-se. Agarrando-se a picuinhas pessoais até chegar o distanciamento e, assim, consolidar o poder pessoal.
Entre as famílias da Paraíba que mais se envolveram em intrigas, que passaram das paisagens política para a pessoal, foram os Pessoas, os Dantas e os Suassunas, em maior dimensão. Mesmo que em diferentes regiões do Estado, desde o Brejo ao Sertão, os coronéis tomavam posições em favor de suas ideologias que perseguiam para se manter no poder.
Foi João Suassuna, entre as personagens da política de 1930, na Paraíba, quem mais sofreu, tendo em vista que João Dantas, por ser primo de sua esposa Rita de Cássia, as rixas políticas patrocinadas pelos Pessoas recaíram sobre sua família. Neles respingaram os ranços do ódio e da impiedosa perseguição política e pessoal, até chegar aos assassinatos.
Assassinato de João Suassuna, no dia 9 de outubro de 1930, no Rio de Janeiro, quando tentava esclarecer à Nação sua inocência e defender-se das acusações imputadas pelos adversários políticos e a essa altura inimigos ferrenhos, a partir de discurso na Câmara Federal, onde ocupava uma cadeira de deputado, não pôs fim as perseguições à sua família e seus amigos, sobretudo aos que se opunham ao comando do presidente (governador) João Pessoa.
Decorrido muitos anos, José Américo de Almeida, que foi um dos principais articulador da campanha de 1930 e das investidas contra os coronéis opositores do governo, homem próximo a João Pessoa, Secretário das Forças Públicas, reconheceria que Suassuna era um inocente que perdeu a vida. “Vítima inocente, no mais monstruoso dos atentados”, escreveu José Américo.
Durante muito tempo, como que planejado, a morte de João Suassuna passou quase que despercebida nos compêndios e abordagens sobre a revolução de 1930, quando se dava mais destaque a João Pessoa e João Dantas. Mas a morte de João Suassuna abalou e fez calar o Sertão, emudeceu o Brejo e no Litoral o choro pela perda se espalhou. Mas esse grito de dor, abafado no primeiro momento, mesmo que lentamente está chegando na recomposição da história.
Quando foi assassinado, João Suassuna carregava no bolso a histórica e esclarecedora carta endereçada à esposa, na qual declarava sua inocência, temia ser morto e recomendava afastar-se do cenário de intrigas em que se transformou a Paraíba, como forma de proteger a família.
Inicialmente, recolhida à fazenda Acahuan, à época localizada no município de Sousa – hoje em Aparecida -, dona Rita Suassuna persistia em busca de esclarecer os fatos em memória do marido assassinado e esquecido, enquanto que os “vitoriosos” empurravam ao esquecimento e ao sofrimento antigos aliados.
Com os filhos menores, dona Rita Suassuna não ficou acuada, mas manteve-se firme na defesa da família e da honra do marido. Seguia fielmente as recomendações deixada pelo marido na carta de despedida, de que não buscassem vingança, mas justiça e o esclarecimento dos fatos.
Durante toda a sua vida ela, que faleceu aos 94 anos em abril de 1990, manteve-se com serenidade quanto aos fatos, levando os filhos a permanecerem confiantes de que, um dia, tudo estaria esclarecido e a justiça à memória de João Suassuna perante a história, aconteceria.
Percebe-se pelos depoimentos e pelo comportamento dos familiares de João Suassuna, desde os primeiros momentos de quando tudo o que aconteceu naquele ano, a orientação sempre foi a de nunca buscar revide, mas esperar que o tempo se encarregaria de tudo esclarecer e, mesmo diante da dor e das perseguições, nenhum gesto de vingança se registrou, vindo de seus parentes.
Decorridos mais de noventa anos de tudo o que aconteceu em Recife, notadamente na Confeitaria Glória, quando João Pessoa foi assassinado e depois, preso, João Dantas e seu cunhado Augusto Caldas degolados na prisão e, três meses depois, com a morte de João Suassuna no Rio de Janeiro, com certeiro tiro pelas costas, as famílias ainda carregam certos estremecimentos. Se durante todo o tempo, a partir dos fatos de 1930 e no decorrer dos anos, sobretudo quando dona Rita Suassuna estava viva, não se buscava qualquer motivação para revide. E assim continua com as gerações que sucederam.
O escritor Ariano Suassuna, que tinha três anos quando o pai foi assassinado, costumava dizer que passou a vida tentando compreender tudo o que tinha acontecido e, escrevendo, tentava explicar os acontecimentos e, assim, manter viva a memória de seu pai.
A resposta à dor e a impossibilidade de mudar a história, foi na Arte que Ariano encontrou os caminhos para à resposta aos algozasses que tiraram a vida de seu pai e de tantos outros.
*José Nunes é jornalista, escritor, diácono e membro da Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea e do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba.