Os atrasos nas construções de creches em quatro cidades da Região Metropolitana de João Pessoa tem causado prejuízo aos cofres públicos e às vidas de centenas de mães de Baía da Traição, Rio Tinto, Bayeux e Conde. Obras que, em muitos casos, já estão paralisadas há décadas, e que poderiam permitir não só o apoio pedagógico necessário para o desenvolvimento das crianças das comunidades beneficiadas, como também permitir que as mães possam trabalhar.
Esta é a segunda parte da série do JPB2, “Obras Inacabadas: 2ª Temporada”, em que os repórteres Laerte Cerqueira e Beto Silva viajaram por 11 cidades, do Litoral ao Sertão, visando averiguar obras que foram iniciadas por gestores públicos, mas que nunca foram finalizadas, representando um grave prejuízo de dinheiro público. As reportagens desta nova temporada foram baseadas em mensagens enviadas pelos telespectadores dos telejornais da Rede Paraíba de Comunicação, durante a exibição e após o fim da primeira temporada da série, que foi ao ar em julho de 2023.
Quase 10 anos de espera por uma creche
A obra da construção de uma creche na aldeia Vila São Miguel, em Baía da Traição, no Litoral Norte, começou em 2014. Se estivesse finalizada, ela estaria atualmente beneficiando cerca de 1.500 indígenas que vivem na aldeia, incluindo centenas de crianças que precisam se deslocar até o Centro da cidade para estudar. O tempo construiu uma geração de mães indignadas.
“Se tivesse aqui seria melhor, estaria mais perto. Não teríamos que nos deslocar de um aldeia para outra, pegar ônibus. Eu fico indignada, porque começaram a construir e não terminaram”, diz a dona de casa Rosilene Brasiliano.
Lucicleide também é dona de casa. Para ela, o maior problema na falta da creche na aldeia é o fato de não poder acompanhar o desenvolvimento das crianças.
“Eu não tenho como ver como é o movimento, como ela [a filha] fica lá [na outra creche]. Eu não tenho transporte para ir até lá direto, se fosse aqui a creche, era melhor para mim e para todas as mães”, contou.
O tempo foi cruel com a estrutura que já foi construída até agora. Inacabado e exposto às intempéries, o prédio agora apresenta rachaduras, infiltrações e destruição.
“O sentimento é de revolta. De dinheiro público perdido. Eu tenho desgosto de ver as pessoas irem para outra localidade para poder matricular os filhos. Aqui próximo eles teriam mais liberdade de ir e vir, de ficar mais perto de casa, de onde moram. Filhos ficariam perto das mães, a comunidade iria interagir mais com a escola”, lamenta a antropóloga Aurélia Maria.
Cacique Pedro era secretário de Infraestrutura de Baía da Traição quando a obra começou em 2014. Desde 2010 ele é cacique da aldeia, e diz que a construção da creche já foi iniciada após cobranças dos moradores.
“Com o grande aumento da população indígena que está saindo das cidades e retornando às aldeias, houve a necessidade de uma nova escola. Entramos em contato com o Ministério da Educação e foi aproximadamente R$ 1,05 milhões investidos. Na época, dava para terminar, mas com o passar do tempo, o fiscal da obra, o engenheiro que era capacitado para fiscalizar, veio e condenou a laje. Com isso, a empresa abandonou a obra. Foi dado entrada no distrato com a empresa, com as penalidades cabíveis no processo, mas não foi possível reaver o que foi gasto”, disse Pedro.
Atualmente, a prefeitura tem R$ 80 mil em caixa. Segundo o atual secretário de obras, Silvio Lima de Brito, não é o bastante. A expectativa dele, agora, é de que com a retomada de obras paralisadas do Governo Federal, seja possível concluir a creche.
Obra quase pronta há dois anos
Rio Tinto fica pertinho de Baía da Traição, também no Litoral Norte. Olhando de fora a obra que fica na cidade, não dá para acreditar que a creche ainda não está funcionando. Porém, apesar da creche estar quase pronta há dois anos e meio, a espera dos pais dura pelo menos 10 anos.
“Se tivesse pronta, meu filho mais velho teria estudado aí, e o mais novo também. Ia ser muito bom ter uma creche pertinho, do lado de casa. Eu fico muito triste, porque as crianças poderiam estar lá enquanto eu estivesse trabalhando fora. Só que como eu não tinha com quem deixar meus filhos, e nem tem a creche, não consegui, fiquei em casa mesmo”, disse a dona de casa Andreza Lima Silva.
O ex-prefeito de Rio Tinto, Fernando Naia, afirmou que deixou a parte física da obra 100% concluída, no fim da gestão, em 2020. O investimento foi de mais de R$ 1 milhão, mas de acordo com a gestão atual, ainda não foi possível abrir as portas pois é necessário fazer uma reforma, trocar algumas estruturas, como as portas, e comprar equipamentos.
“Esta obra não está na relação de obras inacabadas do Governo Federal. Na verdade, nós recebemos a creche sem estar funcionando, mas estava concluída e com as contas prestadas pela gestão anterior. Então, fizemos uma solicitação junto ao FNDE e verificamos que foram apontadas algumas inconsistências na prestação de contas, o que a nossa gestão começou a interagir para solucionar. O município não recebeu recursos para a aquisição dos equipamentos mobiliários padronizados pelo FNDE, de modo que estamos adquirindo esses equipamentos com recursos próprios de forma parcelada”, disse a prefeita Magna Gerbasi (PP).
Segundo Magna, os detalhes finais para conclusão da obra e aquisição do mobiliário estão sendo feitos, e a previsão é de que no início do ano letivo de 2024 já sejam abertas as matrículas.
Abandono completo
A construção da creche no bairro Imaculada, em Bayeux, começou há pelo menos 10 anos e foi estimada em R$ 1,2 milhões. Deste dinheiro, R$ 170 mil foram pagos e a construção só tem 16% de execução. Isso porque a obra parou há cinco anos, e de lá para cá, o local está completamente abandonado. Prejuízo para os cofres públicos, para os pais, e para as crianças.
Maria Júlia tem pouco mais de um ano. Ela fica com a avó, Joana D’Arc, para que a mãe possa trabalhar. “Ela vem de manhã e só sai no finalzinho da noite, quando eu chego do trabalho. Se tivesse a creche, seria ótimo, porque eu colocaria ela e ficaria tranquila. Mas como não tem, a situação é complicada”, diz a mãe da menina, Fabíola de Sousa, que é secretária.
Fabíola ainda tem o apoio da mãe para ajudar na criação de Maria Júlia, mas segundo a avó da pequena, esta não é a realidade da maioria das mães da região.
“Muita gente precisa dessa creche. Tem uma jovem daqui que a mãe trabalha, sai de manhã, e as filhas ficam na rua, porque não tem onde deixar. É uma tristeza, é dinheiro jogado fora, dói na gente, que necessita. Muitas mães vão trabalhar e não tem onde deixar as crianças, que às vezes nem tem o que comer em casa, precisam da creche até para isso”, diz Joana D’Arc.
Com o abandono da obra, parte da estrutura vai ser refeita. Infiltrações, rachaduras, o mato que tomou conta do prédio, tudo vai ter que ser ajustado antes da obra poder voltar a ser retomada.
“O sentimento é de dinheiro nosso que foi gasto em vão. A gente que trabalha, que procura estar sempre certinho, que paga impostos, e hoje tá um bem desses assim, abandonado, e a gente não sabe para onde foi o resto do dinheiro”, diz o autônomo Jefferson Cássio.
Segundo a Prefeitura de Bayeux, a obra é uma herança de gestões passadas. O órgão informou que está fazendo uma nova pactuação com o Governo Federal para tentar recursos do novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), para retomar a obra, que segue sem previsão de conclusão.
Direito básico negligenciado
No Conde, a história se repete, assim como em várias outras cidades: uma obra parada, desprotegida, onde todo mundo pode entrar, e com quase tudo pronto, mas sem funcionar. Na comunidade onde a creche deveria funcionar, uma mistura de desesperança, revolta, e de questionamentos.
“Não sabemos porque não terminou. A gente procura as autoridades, funcionários públicos, vereadores, mas não tem ninguém por nós. Vamos atrás e nos dão as costas. Eu vejo a hora cair de uma vez e ter que começar tudo do zero, gastar mais dinheiro”, conta o auxiliar de logística Gilmar Alves.
O aposentado Severino Ulisses dos Santos, que mora na região, relata a tristeza de ver um prédio público quase completo, mas sem estar beneficiando a população. “Eu fico triste de ver uma obra dessas, tanto dinheiro gasto, mas com tudo parado. A população toda aqui é revoltada com um negócio desses. Entra prefeito, sai prefeito, a gente vota com a promessa de que vai terminar, mas não termina. Enquanto isso, as crianças ficam sem ser beneficiadas e as mães não tem como trabalhar porque não tem com quem deixar os filhos”, conta.
A obra começou em 2018, e parou quando chegou a 65% de execução. Segundo a prefeitura do Conde, a empresa desistiu da obra. Já foram gastos mais de R$ 944 mil e agora a expectativa é de um investimento de mais de R$ 1,5 milhão para concluir. No fim das contas, a obra vai sair cerca de 50% mais cara.
“Tivemos que fazer atualizações de planilhas e de valores e hoje temos um novo problema. Com a repactuação do PAC, um dos condicionantes é o município ter a escritura da propriedade legítima do imóvel. Infelizmente hoje não temos, estamos trabalhando nisso para poder colocar essa área em nome do município. Terminamos a parte do orçamento, foi enviado para a equipe de licitação da prefeitura e também vamos estar junto ao FNDE para ser repactuado”, justificou o secretário de Planejamento do Conde, Márcio Simões.
A ex-prefeita do Conde, Márcia Lucena, afirmou que nos primeiros anos da gestão, entre 2017 e 2018, foi preciso regularizar a obra e reativar o convênio com o Governo Federal. Márcia disse ainda que só após isso é que começou a construção da creche. Ela explicou que foram usados recursos federais e municipais, e que quando deixou a prefeitura, em 2020, a creche estava com 65% de execução, com tudo regularizado e com recursos em caixa para concluir.
Edição: Diogo Almeida