‘Deadpool 2’ é mais engraçado, baixo e provocador que o original

Filme alia elementos já conhecidos da primeira parte a uma noção de moralidade mais complexa e subversiva.

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Deadpool 2: nada igual ao seu grupo de heróis à la Vingadores.

RESENHA DA REDAÇÃODEADPOOL 2 (EUA, 2018, 119 min.)
Direção: David Leitch
Elenco: Ryan Reynolds, Josh Brolin, Morena Baccarin, Julian Dennison
★★★★☆

Há dois anos, Deadpool gerou um hype imenso ao estrear nos cinemas com sua abordagem nada convencional, escrachada e violenta de um super herói: o filme foi considerado um dos melhores daquele ano e acabou arrecadando 783 milhões de dólares mundialmente a partir de um orçamento de “apenas” US$ 58 milhões. É compreensível, portanto, a grande expectativa em torno de Deadpool 2 (2018), que estreia nos cinemas da Paraíba nesta quinta-feira (17).

O segundo longa do mercenário Wade Wilson (Ryan Reynolds) lembra muito a primeira parte, o que pode ser um tanto decepcionante para os que estão indo ao cinema esperando novamente uma pegada tão inovadora quanto. O roteiro, escrito mais uma vez por Rhett Reese e Paul Wernick, além do próprio Reynolds, se contenta em repetir e potencializar a fórmula que fez de Deadpool um sucesso tão grande: humor grotesco, garantido pelas piadas baixas e pela subversão de elementos já batidos dos filmes de heróis; referências pop e cenas de ação ultraviolentas; elementos metaficcionais e – o mais importante – uma moral questionável.

Geralmente, essa reprise de elementos pode se transformar em problemas, tornando o filme cansativo e previsível e refletindo mais uma tentativa barata dos estúdios de fabricar dinheiro (como estamos tratando de Deadpool, isso não poderia deixar de virar uma piada – ainda que breve). Mas, em Deadpool 2, a repetição é bem-sucedida, e o longa consegue ser mais envolvente e provocador que o original.

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O que garante o sucesso da segunda parte não são as piadas (mas vale ficar atento à hilária sequência envolvendo um helicóptero e um resgate desastroso); as autorreferências (que atingem o ápice numa maravilhosa cena pós-créditos); ou a violência ainda mais gráfica e estilizada, filmada com competência pelo diretor David Leitch; mas sim a estranha moral imbuída na história. Deadpool é um personagem que não demonstra remorso em torturar, matar ou enganar; e por isso mesmo seria esperado um filme movido pelos já frequentes motivos de desejo de vingança, busca da pessoa amada ou instinto de sobrevivência. Mas, ao invés disso, a narrativa é levada adiante pelos esforços do protagonista em garantir a proteção (não apenas física) da vida de um outro.

Moral ambivalente
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Cena de Deadpool 2.

Esse outro é o jovem mutante Russell (Julian Dennison), um herói improvável – e, aqui, é interessante a (auto)crítica que o filme faz a uma indústria que privilegia tão descaradamente corpos esculturais e rostos perfeitos. Russell vive internado, junto com outras crianças, em uma instituição que busca corrigi-las pelo simples “pecado” de serem mutantes, numa alegoria clara, feita desde os primeiros X-men nos quadrinhos, à exclusão sofrida por quem é diferente da “normalidade”.

É essa figura incomum que Wade tenta salvar de um futuro tão corrupto e obscuro quanto o seu. Deadpool 2, ironicamente, defende uma certa “sacralidade” da vida humana – não a sacralidade moralista e opressora do diretor da instituição, tão representativo de certos discursos engessados e retrógrados que chega a se tornar caricato; mas o desejo sincero de proteger uma criança ante um mundo doentio que prega punição a criminosos, mas não hesita em oprimir e julgar.

O longa dialoga, assim, com a realidade problemática em que vivemos, em que uma figura que espanca, degola e trucida defende valores mais louváveis que os paladinos da moral e bons costumes. Para muitos, o potencial de provocação do filme pode residir no exagero de palavrões, na nudez ou nas cabeças voando: mas focar em tais mundanidades é não perceber o ponto da obra.

Mas chega de overthinking. O roteiro é afiado e brinca consigo mesmo quando se utiliza de soluções bem Deus ex machina para resolver seus conflitos; Reynolds consegue balancear a personalidade sarcástica do personagem com profundidade emocional (não muita) quando necessário. O elenco de coadjuvantes, embora pouco aproveitado e utilizado mais como um apoio para o protagonista, é carismático o suficiente. Em resumo: Deadpool 2 é mais profano, absurdo e engraçado que o primeiro – e só por isso já vale a pena.