Cultura
27 de dezembro de 2021
10:25

45 anos da morte de Paulo Pontes: relembre a trajetória do dramaturgo

Paulo Pontes foi vítima precoce de um câncer, aos 36 anos; legado envolve grandes contribuições à dramaturgia brasileira.

Matéria por Lua Lacerda

Nesta segunda-feira (27), faz 45 anos da morte do teatrólogo e dramaturgo paraibano Vicente de Paula de Holanda Pontes – Paulo Pontes, o patrono do Teatro do Espaço Cultural José Lins do Rego, localizado em João Pessoa.

Paulo nasceu em 8 de novembro de 1940, em Campina Grande, e faleceu precocemente aos 36 anos, vítima de um câncer, no Hospital São Samaritano (RJ). Ele foi sepultado no cemitério São Francisco, no Conde, sob homenagens e comoção da sociedade, em especial da classe teatral ao qual pertencia.

 Paulo Pontes. Foto: Itaú Cultural 

Trajetória de Paulo Pontes 

Apoio às ligas camponesas na Paraíba

O início da trajetória de Paulo Pontes é marcada pelo forte engajamento político. Ele atuou na Campanha de Educação Popular (Ceplar), movimento que seguia a linha do Movimento de Cultura Popular (MCP) de Pernambuco. Na época, a Paraíba foi um dos laboratórios do Sistema Paulo Freire, especialmente em Sapé e Mari, áreas de violentos conflitos entre trabalhadores rurais e latifundiários e intensa mobilização das “ligas camponesas”.

Segundo o historiador José Levino, este engajamento foi o que levou Paulo a subir num banco na praça pública de Mari e fazer um discurso emocionado em favor dos camponeses, na ocasião em que foi fazer cobertura jornalística do protesto contra a morte de trabalhadores rurais nos conflitos com latifundiários da região.

A verdadeira homenagem a Paulo Pontes consiste em retomar o teatro revolucionário, a arte verdadeira, o teatro do povo”
José Levino, historiador

O dramaturgo viveu sua juventude e início de carreira no jornalismo durante a época da ditadura militar, na qual ele se insurgiu em favor da liberdade de expressão e de imprensa, assim como inúmeros outros grandes artistas brasileiros.

Paulo foi também o autor do texto de estreia do show ‘Opinião’, aclamado pela crítica à ditadura militar, tendo sido ele próprio um dos nomes de mais engajados politicamente em sua época.

Trajetória no Jornalismo

Homem do teatro e rádio”, como diz José Levino, Paulo surgiu como precursor dos programas radiofônicos de meio-dia. Assumiu seu primeiro trabalho como locutor da Rádio Tabajara, em João Pessoa, apresentando o “Rodízio”: um programa de grande audiência que possuía textos humorísticos no qual personagens falavam dos seus problemas no dia a dia. Paulo Pontes também colaborou com o jornal A União.

Paraí-bê-á-bá: as imagens da Paraíba na dramaturgia

Reprodução do jornal Diário da Borborema de 11 de fevereiro de 1968.

Entre as décadas de 60 e 70, Paulo foi bastante ativo na produção da dramaturgia brasileira. Foi autor de inúmeras peças, como ‘Os Inimigos Não Mandam Flores’; ‘Brasileiro’; ‘Profissão esperança’, ‘Um Edifício chamado 200’; ‘Check-up’; ‘Dr. Fausto da Silva’, ‘Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’; ‘Madalena Berro Solto’ e ‘Gota d’água’. Todas marcadas pela forte aliança entre teatro e engajamento político.

Mas é no texto e no espetáculo ‘Paraí-bê-á-bá’ que Paulo volta sua atenção crítica para preencher a dramaturgia brasileira com as imagens na Paraíba e do Nordeste. “O texto é um apanhado de quadros sobre a vida econômica, social e política da Paraíba em 1968”, diz o ator e diretor Paulo Vieira.

Tenho a impressão que o Paraí-bê-á-bá é o primeiro texto que Paulo escreveu trazendo o aprendizado da dramaturgia coletiva que ele conheceu no Show Opinião”
Paulo Vieira, autor de "A arte das coisas sabidas”, uma biografia de Paulo Pontes

Segundo Paulo Vieira, a única coisa de Paraí-bê-á-bá que ficou nos espetáculos seguintes foi uma cena, que é uma piada feita por Ednaldo do Egito, sobre a história de um homem que resolve morrer de tão cansado do trabalhar.

A grande família: contribuições à TV brasileira

 A Grande Família. Foto: Globo/Reprodução 

A contribuição de Paulo Pontes mais conhecida talvez seja o programa de TV “A Grande Família”, onde ele foi o autor principal.

Para o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, A Grande Família “era uma ironia das dificuldades vividas pelo povo e uma crônica da família brasileira”. O autor chegou a dizer que o seriado apresentava uma democratização do fracasso, não no sentido da derrota, mas da solidariedade com os não vitoriosos, com “aquelas pessoas que sem estar no topo, sem frequentar as colunas sociais, continuam maravilhosas porque enfrentam e vencem todas as situações apresentadas”.

A arte das coisas sabidas: biografia sobre Paulo Pontes

 Paulo Vieira e seu livro 'A arte das coisas sabidas', biografia de Paulo Pontes. Foto: Arquivo pessoal 

O livro ‘A arte das coisas sabidas’ é o resultado da pesquisa de mestrado sobre a vida e obra de Paulo Pontes, do também teatrólogo, ator e diretor Paulo Vieira. A obra está em sua segunda edição. Segundo o autor, o conteúdo do livro está dividido em dois momentos: a biografia de Paulo Pontes e o recorte histórico em que viveu o biografado.

Me sinto muito contente em poder apresentar mais de Paulo Pontes para o público paraibano”
Paulo Vieira, autor da biografia sobre Paulo Pontes

Nós brasileiros somos campeões em desmemórias”, diz Paulo Vieira. Segundo ele, o livro apresenta “esse homem absolutamente notável, um dos homens mais importantes para o teatro e a cultura brasileira nos anos 70”.

O livro foi lançado no início deste ano e, recentemente, relançado no Fest Aruanda, tradicional festival do audiovisual brasileiro que ocorre anualmente na Paraíba.

“Paulo Pontes tinha uma visão popular da arte”, conta Paulo Vieira, “e é a isso que remete o título do meu livro”. Segundo o autor, o próprio Paulo Pontes dizia que seu material de trabalho era um material sabido, ou seja, popular. 

“Ele não era apenas um artista popular, mas um artista preocupado com a condição do nacional popular na cultura brasileira”, finaliza Paulo Vieira.