Mais simplificação e menos conflitos: os desafios da Reforma Tributária

Em artigo, advogada especialista em Direito Tributário analisa pontos da proposta de reforma que tramita no Congresso.

Mais simplificação e menos conflitos: os desafios da Reforma Tributária

Estados e Municípios querem a todo custo sua “fatia do bolo”. Ferozes e engajados em defender seu ponto de vista, não medem esforços para fazer valer sua parte tributária. No meio desse conflito, temos o contribuinte, sem saber a qual “Senhor” obedecer, ora sendo tributado pelo ICMS, ora sendo tributado pelo ISS.

Recentemente, foi possível observar o conflito federativo na tributação sobre operações de farmácias de manipulação. O Supremo Tribunal Federal, em 5 de agosto de 2020, resolveu, em sede de Repercussão geral,  fixar a Tese 379: “Incide ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda. Incide ICMS sobre as operações de venda de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira“. 

E foi assim também nos casos que envolviam softwares, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal, no RE nº 176.626/SP, decidiu que seria admissível a incidência do ICMS sobre “a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf)”.

A exemplo destes, inúmeros outros casos precisarão ser solucionados pelo Supremo Tribunal Feral, mesmo que o ponto final só venha 10, 15, 20, 30 anos depois. Esse é o ambiente jurídico-tributário que vive o empresariado nacional. Insegurança é regra, segurança é a exceção.

Diante desse quadro um tanto quanto obscuro, suscita-se o questionamento: em que medida a Reforma Tributária poderá melhorar a salubridade do ambiente tributário? 

É bem verdade que, com o advento da tão sonhada Reforma Tributária, essa discussão seria inócua, com a criação de um imposto único. Havendo apenas um imposto, não haverá mais dúvida sobre o pagamento de ISS ou de ICMS. Será apenas uma divisão da arrecadação do imposto, que não interessa ao contribuinte, em princípio, e cada “Senhor” ficará com a sua parcela.  

Pois bem, tanto a PEC nº 45/2019 (Proposta da Câmara dos Deputados), quanto a PEC nº 110/2019 (Proposta do Senado Federal), compartilham um diagnóstico semelhante sobre os principais problemas do atual modelo fragmentado de tributação de bens e serviços do país, qual seja: a divisão da base de incidência entre diversos tributos (federais, estaduais e municipais) impede o funcionamento ótimo da tributação, criando um custo de cumprimento de obrigações acessórias extremamente elevado e com alta litigiosidade entre contribuintes e Fazenda Pública, bem como entre as próprias Fazendas Públicas. 

Nesse contexto, a unificação pretendida pela PEC nº 45/2019 (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) e pela PEC nº 110/2019 (PIS, COFINS, IPI, IOF, Salário Educação, CIDE-Combustível, ICMS e ISS), traz algumas vantagens comuns: simplicidade na cobrança (com o menor número possível de alíquotas e regimes especiais) e legislação uniforme em todo o país. 

Dois pontos, no entanto, merecem atenção. O primeiro reside na possível alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços. Segundo análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a unificação de IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS no futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) resultaria em uma tributação de 26,9%. Trata-se de uma das mais altas tributações sobre bens e serviços do planeta, figurando ao lado de países como Hungria (27%) e acima de países como Noruega, Dinamarca e Suécia (25%), o que pode ter impacto na economia, diminuindo o consumo por parte da população. 

O segundo ponto se situa na autonomia dos entes Federativos. Segundo a proposta da Câmara dos Deputados (PEC nº 45/2019), a autonomia será preservada, de modo que entes poderão criar suas alíquotas individualmente. Em outras palavras, os três entes compartilham a base de cálculo do IBS uniforme no território nacional, mas cada um preserva autonomia para fixar suas alíquotas por legislação própria. 

Já a proposta do Senado Federal (PEC nº 110/2019), traz a previsão de um IBS de competência Estadual, mas com uma única legislação federal. Assim, o Comitê Gestor Nacional do IBS será composto somente por representantes dos estados e dos municípios (e não da União). Há, ainda, previsão de criação de dois fundos, cujo propósito é compensar eventuais disparidade de receitas entre Estados e Municípios. Conforme dados do IPEA, a consequência mais imediata desse formato de IBS é deslocar parte expressiva da arrecadação para a esfera Estadual A arrecadação sob responsabilidade dos governos Estaduais, em proporção do PIB, passaria de 6,6% com o ICMS para algo em torno de 11,2% com o IBS estadual.

Evidentemente que ainda estamos no começo legislativo da Reforma Tributária e tanto a PEC nº 45/2019, quanto a PEC nº 110/2019, encontram-se hoje na Comissão mista da Reforma Tributária, presidida pelo Senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e cujo relator é o Deputado Federal Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB). Há, como se percebe dos bastidores, um jogo com poucas peças definidas e muitos agentes políticos interessados em fazer valer seus respectivos pontos de vista. 

Espera-se, ao menos, mais simplificação do modelo tributário atualmente vigente e menos conflitos entre contribuintes e Fazendas Públicas, bem como entre os próprios Entes Federativos. 

* Dayse Chaves é advogada especialista em Direito Tributário e diretora fundadora do Instituto de Pesquisas Fiscais (IPF)