O que fez a TV Cabo Branco se distanciar tanto das concorrentes?

Pesquisa aponta afiliada da Globo em João Pessoa ampliando a liderança e com mais audiência que a soma de todas as demais emissoras.

Com a publicação dos resultados da recente pesquisa Kantar Ibope sobre a audiência de TV em João Pessoa, feita entre os dias 7 e 13 de maio, os novos índices merecem uma reflexão, além dos habituais comparativos numéricos. Mantendo a escrita das últimas medições, o desempenho da TV Cabo Branco consolida sua liderança, agora ampliada a ponto de se descolar completamente das demais concorrentes. Há muitos anos não se via tamanha diferença. Sozinha, a afiliada Globo tem mais audiência que todas as outras emissoras de tv aberta somadas; seus telejornais alcançam até 5x mais público que o segundo colocado no mesmo horário e por aí vai…O que pode ter causado esse “distanciamento”? Bem, voltemos ao começo…

Foi ali no período inicial da pandemia, quando as emissoras do país tiveram que “cortar na carne” para sobreviver à fuga das verbas publicitárias: ao longo de intermináveis 18 meses, fase mais aguda da contração da economia, todos tiveram que se adaptar pela via mais sofrida, com muitas demissões, parada total dos investimentos e enxugamento radical de despesas. Se as afirmações acima se encaixam na realidade das redes nacionais de comunicação, no âmbito estadual a situação foi ainda mais crítica. No contexto de um mercado bem menor, de poucos anunciantes regulares e verbas minguadas pela crise sanitária, o desespero virou moda em 2020, parafraseando a canção de Belchior.

Na verdade, o “paradeiro” do isolamento social apenas deu mais gravidade ao que já pesava sobre as empresas de comunicação do Estado desde 2015, com crise econômica instalada e concorrência crescente das plataformas digitais pela pouca verba restante. Na gestão da escassez, algumas emissoras conseguiram manter um certo padrão e a regularidade na produção de conteúdo local. Aparentemente, não sofreram queda significativa de interesse nem de percepção da qualidade perante seus telespectadores diante da telinha. A TV Cabo Branco encabeça este seleto grupo. Já em outras emissoras, pelo imperativo das restrições econômicas, a programação “desidratou”, perdeu atratividade e, em alguns casos, desandou.

Mas o atual cenário apontado pela Kantar Ibope não se explica apenas pelo fluxo de caixa da mídia local. Há que se somar a isso os efeitos da volta da programação “presencial” da Globo e a retração dos canais on demand (por streaming) após o pico da pandemia. Vamos a eles. O grupo Globo já havia anunciado seu processo de reformulação desde setembro de 2018. A chegada da pandemia só acelerou as mudanças. A partir do projeto conhecido como UmasóGlobo, foram eliminadas as duplicidades de RHs, de Financeiros, etc e a Globoplay passou a ser prioridade de investimento. Após as milhares de demissões, venda das principais sedes e da gravadora Som Livre, e com 15 bilhões de reais em caixa, a Globo saiu da fase trágica da Covid-19 em 2021 com tudo azeitado para a celebrada “volta ao presencial”.

A estratégia que vêm sendo adotada pela Globo já é do conhecimento de grande parte do público: além da onipresença dos brothers do BBB, houve a volta dos auditórios (Mion e Huck) e das transmissões regulares dos campeonatos de futebol. E houve, principalmente, a retomada da dramaturgia, que ganhou força com a faixa de reprises de novelas à tarde e com o reinício da produção de séries e projetos adiados pelo isolamento, com destaque absoluto para a nova versão de Pantanal, sucesso estrondoso desde o primeiro capítulo. Essa “cama” de atrações da Globo teve papel relevante na decisão da preferência pelo canal e na migração da audiência para os programas jornalísticos locais. Mantida localmente a qualidade na cobertura factual e na prestação de serviços, a TV Cabo Branco viu crescer suas audiências durante os telejornais. Em resumo: toda a grade linear da programação se fortaleceu.

Por fim, o que está acontecendo com o streaming? Após a explosão de consumo durante a pandemia, os principais players que usam o modelo de assinatura para crescimento, como Netflix, Amazon, Disney+, Apple TV entraram em fase de platô, seguida de leve queda. Esse declínio está explícito na comparação de seus últimos índices da pesquisa da Kantar Ibope. As causas mais apontadas são a chegada da inflação, que trouxe velhas preocupações de volta aos orçamentos domésticos, e um fenômeno que já havia sido detectado aqui e fora do Brasil: uma espécie de “fadiga”, causada pela busca de mais novidades, acompanhada da insatisfação com as recomendações da plataforma. Nos Estados Unidos, cerca de 37% cancelam suas assinaturas on demand após um ano; no Brasil, em torno de 30%, segundo estudo da consultoria Deloitte – 2022 Digital Media Trends.

Apoiada nesse tripé formado pela resiliência operacional no âmbito local, a retomada das atrações da grade nacional da Globo e o recuo ( será sazonal?) dos assinantes dos canais de streaming, a TV Cabo Branco despontou na atual pesquisa em condição incomum, exibindo índices que haviam sido alcançados há mais de uma década. Há outros motivos que colaboraram com o quadro atual, como a relativa perda de relevância dos comunicadores “fenômenos de audiência” à frente de programas predominantemente policiais, ou a proximidade da fase decisiva do Campeonato Paraibano no período da coleta de dados. Mas, vista em seu conjunto, a distância aberta entre a TV Cabo Branco e suas concorrentes, incluindo o segmento de canais pagos sob demanda, é digna de registro tanto para uso estratégico dos anunciantes, na otimização de sua verba publicitária, quanto para celebração dos que fazem a emissora.