Economia
19 de novembro de 2021
08:25

Paraíba criativa: mulher empreendedora, sim, senhora

Empreendedoras paraibanas se tornam exemplos de sucesso com projetos que valorizam as próprias raízes e promovem desenvolvimento para as regiões a que pertencem.

Matéria por Iara Alves

“Paraíba masculina / Muié macho, sim sinhô”, diz a canção de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, interpretada por alguns como uma referência à força da mulher e por outros como uma comparação desnecessária com os homens. Nesta sexta-feira (19), Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino, peço licença aos compositores para parafrasear os versos pensados por eles. “Paraíba criativa: mulher empreendedora, sim, senhora”, foi o modo que encontrei para contar histórias tecidas por paraibanas que aceitaram a vocação que têm e passaram a encarar diariamente o desafio de empreender, como um estilo de vida, valorizando raízes e promovendo desenvolvimento para as regiões a que pertencem.

Esta viagem pelo mundo do empreendedorismo feminino em solo paraibano começa por Areia. Em uma parada metafórica pelo município localizado na região do Brejo, respiramos a história do povo que nele vive. Somos abraçados pela temperatura amena e aconchegante. Saboreamos a vida pelo tempero das comidas típicas. E nos deparamos, em cada esquina, com a criatividade de quem trabalha para fazer a cidade crescer, gerando emprego e renda.

Em um cenário rural, rústico e interiorano, surge o inusitado: um hotel de barracas, que aproveita cada recurso que a arquitetura da natureza lhe oferece. Criado por Luciana Balbino durante a pandemia de Covid-19, o local se transformou em um refúgio para quem precisa respirar ar puro.

Eu tenho um restaurante de comida regional. E as pessoas que vinham para o restaurante sempre procuravam saber se não tinha alguma coisa aqui na comunidade de Chã de Jardim, algum espaço para eles ficarem, para eles se hospedarem, né? Aí foi quando eu tive a ideia de montar esse hotel de barracas, porque eu não tinha condições de montar um hotel normal”.

Segundo Luciana, também não existem campings na região e muitas pessoas procuravam um lugar para acampar. Ela ouviu, ainda, relatos dos aspirantes a campistas que não tinham barracas e muito menos sabiam montar uma. Foi aí que, como em um estalo na mente, ela juntou a fome com a vontade de comer.

“A gente já tem as barracas, a gente já tem os colchões, os lençóis, as toalhas, o sabonete. A gente só passou a oferecer para as pessoas um hotel, que no lugar do apartamento, tem uma barraca de camping já mobiliada”.

Assim como em um hotel convencional, os hóspedes ficam o tempo que quiserem. À disposição deles, há nove banheiros a uma distância de 20 metros das barracas. Por fora, eles são rústicos, mas por dentro oferecem toda estrutura e conforto tradicional. Os únicos que escapam dessa curva, são os chamados “banheiros de Petruchio” – em referência ao personagem da novela “O Cravo e a Rosa” mesmo -, que não possuem teto e oferecem uma vista do céu ensolarado ou todo estrelado durante a sua utilização.

 Modelo de hospedagem em hotel de barracas na Paraíba : Divulgação - Sítio Casa de Vó 

‘Santo Empreendedor’ faz milagre em casa

O hotel, nomeado carinhosamente como “Sítio Casa de Vó”, tem capacidade para 50 pessoas, mas por causa das medidas de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus, recebe atualmente a quantidade máxima de 35 hóspedes.

A cerca de um quilômetro de distância ficam alguns quartos mais convencionais, como casas de taipa – erguidas com barro e madeira – e também de alvenaria.  Outro atrativo é a horta, onde o cliente pode cultivar e colher ervas, especialmente as medicinais. Juntos, todos esses elementos garantiram o sucesso do novo empreendimento da paraibana.

“O que mais me alegra é saber que não tá atraindo só turistas visitantes, mas até o pessoal da região, de cidades vizinhas, eles têm vindo. As pessoas estão buscando alternativas e na zona rural acaba sendo muito melhor. Tá sendo muito bem aceito e chegou a um ponto que o terreno é pequeno, e a gente já tá ampliando pra cima. Tem sido algo como vamos atender a um sonho de criança”.

Além de ousar e apostar na criatividade para atrair hóspedes, Luciana se orgulha de algo que para ela é muito importante: a qualidade de vida de quem é da cidade e redondezas.

É meio que uma missão a gente empreender e trazer as pessoas da região e da comunidade para trabalhar conosco. A gente não trabalha com pessoas de fora. Temos 10 pessoas trabalhando e são todas aqui dos arredores do sítio. Isso é muito importante porque gera emprego e renda. E eu acho isso muito legal porque o povo diz que ‘santo de casa não obra milagre, né?’. Porque geralmente o pessoal vai buscar atrativos fora”.

‘Inovação, criatividade e pioneirismo’: o caminho para se tornar referência

“Inovação, criatividade e pioneirismo” são as palavras que guiam a trajetória empreendedora de Luciana, que começou ainda na juventude, para que ela tire os projetos do papel e os coloque em prática. Foi nelas que ela pensou antes de criar o Sítio Casa de Vó.

As pessoas cada vez mais buscam viver experiências. Elas não visitam os lugares só por visitar. As pessoas têm buscado mergulhar na comunidade local, viver como o pessoal da comunidade vive”.

Depois de entender as necessidades do público-alvo que quer atingir, a paraibana acredita que é um diferencial ser o primeiro na apresentação da proposta.

“Quando você faz primeiro, você sai na frente e vira destaque. Existem campings na Paraíba, mas hotel de barracas, acredito que quem iniciou foi a gente. E eu tenho observado que a gente virou um caso de sucesso nacional. Quase todos os dias a gente recebe grupos de fora, principalmente mulheres pra observar. Tem sido bom ser essa referência, de modo especial, porque tem encorajado outras mulheres”.

Para Luciana, a principal lição que o trabalho dela é de conscientizar as novas empreendedoras de que não há necessidade de sair da zona rural, porque através de qualquer área, é possível investir e viver no lugar em que elas nasceram.

Esse tem sido nosso objetivo de vida, ajudar pessoas que precisam, encorajando-as, porque para desencorajar, já tem gente demais”.

 Vista de quem está dentro de um 'banheiro de Petrúquio' em hotel de barracas. Foto: Divulgação 

Mulheres a frente de um movimento de valorização da Paraíba

A história e a vida que acontecem em João Pessoa, a riqueza cultural do São João de Campina Grande, o jeito de ser no Sertão paraibano e os artistas e músicas da Paraíba. Essas são algumas das temáticas que inspiraram a Soé, marca de acessórios pessoense, em suas coleções que ganham forma, cor e beleza encontrando matéria-prima no acrílico.

Maria Lívia Cunha é uma das donas da marca. A caminhada dela até o próprio negócio foi uma pouco longa, mas também compensadora. Ela não tinha encontrado a realização profissional até pedir demissão do trabalho e fazer um curso ligado ao empreendedorismo.

Foi quando eu me encontrei. E me encontrei de uma maneira avassaladora. Não me vejo fazendo outra coisa, embora tenha a outra profissão de bancária”.

Após a realização de outros projetos, o pai de Lívia sugeriu que ela atuasse na produção de brincos de acrílico. No começo, ela não recebeu tão bem a ideia, mas pouco tempo depois aceitou e recebeu o conselho de coração aberto. As primeiras peças nasceram de pedaços da matéria-prima dados por ele.

Nesse momento, surgiu uma nova preocupação. Ela sabia que não conseguiria seguir com os planos que tinha em mente sozinha. Foi aí que Ellyka Gomes, a outra proprietária da Soé, entrou na história.

De início, Ellyka achou que não tinha perfil. Mas, segundo Lívia, tirou de letra cada desafio e absorveu as demandas do projeto que criaram juntas e, hoje, é motivo de orgulho.

Um dos pontos fortes e sensíveis da Soé é a conexão criada com a Paraíba que, obviamente, foi pensada durante os inúmeros planejamentos feitos pelas mulheres que estão a sua frente.

Como o acrílico é versátil, a gente podia fazer o que quisesse, a gente podia fazer apenas design de acessórios. Mas tornar a Paraíba relevante para os paraibanos é mais relevante para a Soé. O trabalho da Soé é criar um movimento de valorização da Paraíba. De se enxergar e usar, literalmente, algo que representa a Paraíba”.

 Maria Lívia e Ellyka são as criadoras da Soé 

‘As mulheres a frente dos negócios serão revolucionárias’

Lívia enxerga além de sua atuação profissional, os impactos do empreendedorismo feminino no mercado.

As mulheres a frente dos negócios serão revolucionárias. A gente tende a ter negócios mais justos, mais organizados e melhor gerenciados, negócios mais empáticos. Esse olhar feminino sempre vai ser de reconhecimento desse espaço de uma nova formação desse mercado de trabalho. Nós estamos transformando esse mercado pra que ele seja mais empático”.

Esse movimento vai crescer cada vez mais se depender da iniciativa e vontade das amigas.

Estamos começando um movimento de empreendedorismo feminino por João Pessoa. A gente esperou por alguém fazer isso e não aparecia ninguém. Quando a gente se encontra, a coisa acontece. As mulheres que a gente tem conhecido são diferentes e que já vêm com a mentalidade reciclada”.

A atuação da Soé também tem impacto local, em João Pessoa, principalmente. As parcerias e fornecedoras são sempre da região.

Mas, não é só pela capital paraibana que elas pretendem ficar. O céu, nesse caso, não é o limite. Elas querem o mundo, a começar pela Paraíba inteira. Agora, buscam formas de chegar aos inúmeros municípios paraibanos, conhecer a histórias de cada canto e contá-las pelos acessórios.

 Brinco da Soé homenageia o Hotel Globo 

‘Quando a mulher decide empreender, ela está se empoderando’

O ponta pé ao movimento de conexão entre empreendedoras que Maria Lívia quer disseminar pela Paraíba contou com a ajuda Manu Dubeux, fundadora da Power, uma startup aceleradora de negócios de mulheres, especialmente voltada para novas economias: criativa, colaborativa e circular.

Conforme Manu, “quando a mulher decide empreender, ela está se empoderando financeiramente para também tomar decisões sobre a sua vida”.

Além do movimento de espaço da mulher, ela compreende o empreendedorismo feminino como uma forma de promover desenvolvimento econômico capaz de gerar crescimento para todos.

“Quando ela (a atuação feminina do empreendedorismo) é ligada com as novas economias, eu estou falando de uma economia que pulsa, renova, respeita o meio ambiente, cadeia produtiva e conversa com valores”.

Antes de explicar como fortalecer essa rede potente, Manu coloca uma pergunta essencial: “como você escolhe gastar o seu dinheiro?”.

Na hora que escolho fazer uma compra, eu escolho impulsionar alguém. Quando compro de uma mulher, vejo na hora que faz esse movimento (de estimular e aquecer). Escolha comprar de um negócio pequeno de mulheres. Quando uma amiga começar a empreender, ouça e seja a primeira a divulgar nas redes sociais. A gente precisa começar a olhar e oportunizar os negócios e as conexões”.

 Manu com empreendedoras paraibanas em João Pessoa. Foto: Arquivo pessoal 

A atuação do Sebrae no despertar do empreender

Das muitas caminhadas que Luciana, Lívia e Ellyka têm em comum, uma mudou a forma com que elas enxergam o trabalho e a diferença que as atividades que elas desempenham fazem no mundo: as formações para empreendedores do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Lívia, por exemplo, conheceu o Empretec – programa do Sebrae que ensina técnicas para empreender, descobre o perfil empreendedor do participante junto com as habilidades dele, para desenvolver e potencializar capacidades – quando trabalhava como jornalista. De tanto lidar com vidas ressignificadas pelo projeto, ela teve a curiosidade, no mínimo, aguçada. Seguindo a intuição e, claro, o tino empreendedor, ela pediu demissão do jornal e deu o primeiro passo em uma nova jornada.

“Eu era repórter de economia e, por isso, fiz muitas matérias com o Sebrae. Passei a conhecer pessoas e elas estavam muito entusiasmadas. Elas tinham um brilho no olhar e eu pensava ‘bicho, eu preciso disso’. Todo mundo que eu entrevistava dizia que o Empretec mudou a vida. Então eu também busquei essa mudança. De fato, mudou. Eu me encontrei, e me encontrei de uma forma avassaladora.

Tanto que agora ela não se enxerga mais fazendo outra coisa. Mesmo trabalhando como bancária, a paixão dela é empreender.

Já a Luciana, também participou de muitas palestras e outros eventos promovidos pelo Sebrae. Conseguiu colocar na prática toda a teoria que aprendeu.

Hoje, os lugares se inverteram. De ouvinte, a paraibana se tornou palestrante. Mundo afora ela segue inspirando outras mulheres.

“Quero mostrar sempre pra elas que é possível”, reforçou.

 

Cenários paraibano e brasileiro: quais os segmentos mais femininos

Na Paraíba, pelo menos 75.629 mulheres estão registradas como microempreendedoras individuais (MEIs). Elas são maioria em atividades ligadas com os segmentos de vestuário, beleza e serviços domésticos.

De acordo com o relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2020, produzido pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ), quando o assunto é empreendedorismo, as mulheres ainda atuam em um universo de atividades mais restrito que os homens.

Conforme o levantamento, mais da metade das empreendedoras iniciais, com empreendimento de no máximo 3,5 anos, ou seja, quase 60%, atuam em apenas seis atividades. Já entre os homens, o número das principais atividades sobe para 14, mais do que o dobro.

“A questão cultural ainda afeta muito o empreendedorismo feminino. A sociedade acaba colocando barreiras adicionais para as mulheres expandirem sua presença para outras atividades além das culturalmente aceitas, como alimentação e beleza”, comenta o presidente do Sebrae, Carlos Melles.

Entre as atividades mais escolhidas pelas mulheres no país estão as de restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas, cabeleireiros e outras atividades de tratamento de beleza e comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios.