Conversa Política
21 de outubro de 2023
12:20

Obras Inacabadas: hospital incompleto e postos de saúde abandonados deixam moradores indignados na Paraíba

Veja como a demora para conclusão de obras públicas prejudica a população de Santa Rita e de Campina Grande, e também consome recursos dos cofres.

Matéria por Laerte Cerqueira

Um hospital que visa beneficiar crianças e adolescentes de Campina Grande e região e que teve somente a fachada e a entrada inauguradas — mas ainda não aberto para o público. Quatro postos de saúde que começaram a ser construídos no mesmo pacote de obra, em Santa Rita, mas cujas construções estão literalmente tomadas pelo mato. Obras inacabadas, denunciadas pelos moradores, que ficam indignados com o descaso com o dinheiro público.

Esta é a terceira parte da série do JPB2, “Obras Inacabadas: 2ª Temporada”, em que os repórteres Laerte Cerqueira e Beto Silva viajaram por 11 cidades, do Litoral ao Sertão, visando averiguar obras que foram iniciadas por gestores públicos, mas que nunca foram finalizadas, representando um grave prejuízo de dinheiro público. As reportagens desta nova temporada foram baseadas em mensagens enviadas pelos telespectadores dos telejornais da Rede Paraíba de Comunicação, durante a exibição e após o fim da primeira temporada da série, que foi ao ar em julho de 2023.

A autônoma Cecília Alexandre mora no bairro Vidal de Negreiros, em Santa Rita, Região Metropolitana de João Pessoa. Na frente da casa dela, que fica em uma área populosa da cidade, a estrutura de um posto de saúde que começou a ser feito mas ficou abandonado há nove anos. Enquanto isso, ela precisa se virar em um posto de outro bairro.

O atendimento nos postos aqui é péssimo. Vai em um dia pegar ficha e ser atendido no outro. Muitas vezes a gente vai e não é atendido, está faltando médico. É muito difícil, porque a gente não tem condição de todo mês pagar um médico particular”, diz Cecília.

Paulo Martins, que também é autônomo, foi quem mandou a mensagem para a equipe de reportagem explicando a situação. Ele está revoltado com o atraso na conclusão da obra.

“É muito dinheiro público sendo gasto, sem o devido acompanhamento técnico, para que de fato possa concluir e servir a população. Isso aqui é uma unidade de saúde, setor deficitário, com tantos problemas, e uma obra como essa ficar pelo caminho nos causa tristeza, revolta e indignação. A obra não é da gestão, ela na verdade pertence ao povo. Qualquer gestor que esteja no comando tem que ter a responsabilidade, e principalmente a sensibilidade, de não deixar uma obra dessas parada”, diz.

No local dessa obra, além de algumas paredes levantadas e laje feita, mato. O posto de saúde do bairro Vidal de Negreiros foi orçado em R$ 462 mil, e começou a ser feito em dezembro de 2014. A previsão era de conclusão em seis meses, mas ficou parado com apenas 30% de execução.

 

Na obra, paredes que deveriam abrigar pessoas veem o mato crescendo — Foto: TV Cabo Branco

Heitel Santiago 

Já no bairro Heitel Santiago, também em Santa Rita, o investimento previsto para o posto de saúde era de pouco mais de R$ 400 mil. Mais de R$ 300 mil foram pagos e a obra está com 70% de execução. Depois disso parou, e com a destruição causada pelo tempo, provavelmente a porcentagem vai diminuir e muita coisa vai ter que ser refeita.

A estrutura está comprometida em alguns lugares. Em uma das salas, não há telhado, apenas a laje com infiltração e rachaduras. Ao lado, uma parede trincada, prestes a cair, pois do outro lado dela, onde seria outra sala, a laje já caiu.

Gilson Machado, que é autônomo, mora dentro do prédio desde 2017, e espera a prefeitura doar uma casa prometida a ele depois da obra ser retomada. “Disseram: ‘qualquer coisa procure, uma cesta básica, um custo financeiro, e quando a gente precisar do prédio, o senhor tem direito de uma casa”, contou. Até agora, segundo ele, nada.

O aposentado Otacílio José de Lima viu a obra caindo aos pedaços aos poucos, e se lembrou do pagamento de impostos.

“Quando a gente vai comprar uma caixa de fósforo, o imposto a gente já paga. Esse prédio está aí há anos, mas está entregue às baratas. Não tem estrutura nenhuma, só levantaram as paredes e pronto”, contou.

Santa Rita tem quatro Postos de Saúde da Família (PSFs) nesta mesma situação. Além dos postos do Vidal de Negreiros e do Heitel Santiago, obras inacabadas também estão nos bairros Augustolândia e Marcos Moura.

Já foram gastos quase R$ 1 milhão, metade do valor previsto para a conclusão desse pacote de obras que foi prometido em 2014. A gestão atual da prefeitura de Santa Rita diz que as obras são legado de gestões anteriores, e se negou a fornecer informações. Disse apenas, em nota, que vai concluir as unidades com recursos próprios, mas não deu prazo.

 Um dos quatro postos de saúde inacabados, bairro Heitel Santiago, em Santa Rita, na Paraíba, — Foto: TV Cabo Branco 

Hospital inacabado e investigado pelo Ministério Público

Apesar do tapume e do mato, quem passa pela Avenida Floriano Peixoto, em Campina Grande, e vê a construção do Hospital da Criança e do Adolescente imagina que a obra está bem avançada, por causa da fachada. Mas é só a fachada. Ao olhar de cima e por trás do canteiro de obras, o cenário é bem diferente: muita coisa para fazer e muitas outras que precisam ser refeitas.

As máquinas chegaram rapidinho, fizeram a limpeza do terreno e começaram a construção. Teve dia de ter gente na obra até meia noite e a gente acreditou realmente que ia sair o hospital. Do nada, parou a construção e está aí desse jeito”, conta Janailton de Sousa Araújo, técnico em segurança eletrônica.

A ordem de serviço foi assinada em abril de 2019. A primeira parte da obra foi inaugurada com festa em dezembro de 2020, no fim da gestão do ex-prefeito Romero Rodrigues, mas a unidade nunca chegou a funcionar.

A obra custou mais de R$ 6,2 milhões, sendo R$ 4,9 milhões de um contrato inicial e mais R$ 1,2 milhão de um aditivo. Uma investigação do Ministério Público da Paraíba (MPPB) apura por que o hospital não está pronto mesmo com todos os pagamentos feitos.

Tudo está sob sigilo, e por causa disso, a Controladoria Geral do Município se negou a fornecer informações de relatórios de auditorias, agora já na gestão atual de Bruno Cunha Lima. O órgão também não entregou documentos nem deu explicações solicitadas pela Lei de Acesso à Informação.

Porém, tivemos acesso aos relatórios, que não podem ser exibidos por causa do sigilo. Eles revelam que a Controladoria identificou um prejuízo de R$ 426 mil com o uso de material de má qualidade, fora da norma, e diferente do que foi licitado. São portas, pisos, madeiras que sustentam o teto, e outros materiais. Além disso, a planilha também mostra que há uma diferença não explicada de R$ 2 milhões entre o que foi pago à empresa e o que foi executado.

Em nota, o ex-secretário de saúde de Campina Grande, Filipe Reul, informou que a obra foi iniciada em 2018, e que quando assumiu a pasta, em 2020, deu andamento à obra de acordo com o projeto licitado. Ele explicou ainda que a pandemia de Covid-19 impôs empecilhos à construção, com os decretos de suspensão das atividades da construção civil, e com o aumento do valor da matéria-prima.

No texto, o ex-gestor da pasta disse que consultou o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba para saber como proceder em relação ao aditivo qualitativo e quantitativo no contrato da obra para o reajuste dos preços dos produtos, e o órgão deu parecer positivo. A parte inaugurada, segundo ele, compreende a estrutura ambulatorial e de leitos.

Um dos sócios da empresa OESP Engenharia, responsável pela obra, negou qualquer irregularidade, e afirmou que a licitação foi feita em cima de um projeto, mas que no decorrer da obra houve um aumento de área e que, segundo ele, o que foi licitado foi executado.

A promotoria do Patrimônio Público da cidade não vai se pronunciar até o fim das investigações. Em acordo com o MPPB, a gestão atual da prefeitura apresentou um novo projeto. O órgão quer aproveitar o que foi feito, mas ampliar os serviços.

“Existe uma consolidação formada de que o Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea) não tem mais capacidade nenhuma de ser ampliado, e o Isea é uma estrutura hospitalar que atende a rede materna de Campina Grande e dos municípios vizinhos. Diante dessa necessidade de se concluir a estrutura voltada para o atendimento da criança e do adolescente, a atual gestão pensou em [o prédio] ser muito mais do que o que foi planejado lá atrás. A gente vai ter, além do atendimento da criança e adolescente, o atendimento materno e infantil. Então nós vamos concentrar nessa estrutura, nesse complexo, toda a carga de atendimento que temos hoje no Isea e no Hospital da Criança,” explicou o secretário executivo de Saúde de Campina Grande, Emanuel de Sousa.

 Imagens mostram não conclusão de obra em Campina Grande — Foto: TV Cabo Branco