Uma nova escola que deveria beneficiar centenas de crianças do Conde, na Região Metropolitana de João Pessoa, mas que está parada há 10 anos. O Rodoshopping do Cajá, que chegou a ser inaugurado mas funcionou por pouco tempo, em 2013. E um aterro sanitário que ainda não está pronto, em Vieirópolis, e faz com que a cidade pague R$ 4 mil mensais para usar o de outra cidade. Obras inacabadas, ou abandonadas, denunciadas pelos moradores, que ficam indignados com o descaso com o dinheiro público.
Esta é a quarta e última parte da série do JPB2, “Obras Inacabadas: 2ª Temporada”, em que os repórteres Laerte Cerqueira e Beto Silva viajaram por 11 cidades, do Litoral ao Sertão, visando averiguar obras que foram iniciadas por gestores públicos, mas que nunca foram finalizadas, representando um grave prejuízo de dinheiro público. As reportagens desta nova temporada foram baseadas em mensagens enviadas pelos telespectadores dos telejornais da Rede Paraíba de Comunicação, durante a exibição e após o fim da primeira temporada da série, que foi ao ar em julho de 2023.
Escola abandonada há quase uma década
A construção do que deveria ser a nova Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Profª Noêmia Alves, no Conde, Região Metropolitana de João Pessoa, começou em 2013. O projeto inicial previa um investimento de R$ 3,4 milhões, e foram gastos R$ 1,3 milhões quando a empresa abandonou a obra, segundo a prefeitura, desde então, não foi mais retomada, causando a indignação dos moradores.
O sentimento é de revolta ao passar e ver uma obra dessa parada. Você ver essa estrutura, o dinheiro que foi gasto aí, e não sair do papel, virar um museu. Aliás, uma casa de terror”, conta o garçom João Batista, que mora a 100 metros do local.
Uma década depois que começou a ser construída e de ficar abandonada, a estrutura já dá sinais de que precisa de muitos reparos. O teto tem infiltrações, algumas paredes estão destruídas e o pátio inteiro foi tomado pelo mato. Agora, o custo estimado para a conclusão da obra passa de R$ 4 milhões.
A prefeitura diz que vai retomar, caso consiga recursos federais.
“Agora com o novo PAC, nós buscamos uma nova repactuação junto ao Governo Federal, no FNDE. A prefeitura está em busca de novos recursos e da possibilidade de vir todo o recurso, viabilizando melhor a obra para toda a população e minimizando o gasto para a prefeitura em si, porque já investimos dinheiro de recursos próprios dentro da obra”, justificou o secretário de Planejamento do Conde, Márcio Simões.
Em nota, a ex-prefeita do Conde, Márcia Lucena, disse que quando assumiu a prefeitura da cidade, em 2016, a obra já estava parada. Ela afirmou que uma perícia foi contratada para avaliar o estágio e as condições da construção. O convênio venceu em dezembro de 2016 e foram feitas várias viagens à Brasília para reativar a pactuação. Após essa etapa, uma nova licitação foi feita para retomar a obra. A ex-prefeita destacou também que deixou nas contas da área de educação do município, cerca de R$ 4,2 milhões, uma parte para a finalização da escola.
A atual gestão da cidade, que tem como prefeita Karla Pimentel, afirmou que a licitação para contratar uma nova empresa com intuito de terminar a obra, já foi concluída, e que "questões burocráticas" estão sendo finalizadas para o recebimento de recursos do novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.
'Elefante branco' na BR-230
O Rodoshopping do distrito do Cajá, nas margens da BR-230, em Caldas Brandão, foi inaugurado por três governadores, mas nunca cumpriu efetivamente sua função. Oficialmente, a obra é considerada abandonada, e não inacabada, mas por cobranças da população sobre o que vai ser feito do local, procuramos saber qual o destino deste que é um dos maiores símbolos do dinheiro público mal empregado no estado.
Uma das inaugurações do Rodoshopping foi em dezembro de 2010. Em 2013, alguns comerciantes foram selecionados para trabalhar, porém, pouquíssimas coisas foram vendidas no local, que já apresentava problemas estruturais. Na época, foram encontrados indícios do desperdício de dinheiro público: suportes de lâmpadas que caíram, infiltrações, piso rachado, portas destruídas e o estacionamento tomado pela vegetação.
No total, foram mais de R$ 6 milhões investidos em materiais de construção para a estrutura. Muito desse investimento virou ferrugem, foi arrancado ou está imprestável.
Ficou abandonado lá. Ninguém foi pra lá e aí à noite o pessoal foi, aos poucos roubando os vidros, as plaquinhas de azulejo”, explica o comerciante José Júnior.
José diz ainda que o Rodoshopping chegou a funcionar por alguns meses, há uma década, mas que para muitas das pessoas que investiram em alugar um dos espaços do local, o modelo de negócio era um problema.
“Para vender, tinha que ter um padrão. Se fosse lanche, era só pão de queijo, salgado, café com leite e guaraná lata. Não podia vender comida de panela, não podia misturar”, contou.
Valmir Rosendo, que é garçom, diz que alguns colegas comerciantes chegaram a fazer empréstimos para equipar os boxes, mas ficaram com a dívida.
“Todo mundo que tinha sua barraquinha aqui e que dependia de aluguel foram pra lá, porque o pensamento era de que ia ser disponibilizado de graça. Mas não foi, quebraram a cara. Compraram os materiais, botaram lá dentro e o movimento, mesmo, foi só no primeiro dia, depois ficou lá ao relento”, contou.
Para a professora Glenda Ferreira, do departamento de Gestão Pública da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), uma obra só é abraçada pela população se for uma necessidade dela. Poder público e sociedade precisam dialogar, segundo a professora, para que haja convergência de ideias sobre a real necessidade e sobre o uso.
"Um movimento importante a ser considerado quando se pensa em obras, é saber, realmente, aquilo que a população quer. Tem uns projetos que são do Executivo e tem uns que são da sociedade, e eles nem sempre dialogam”, disse.
Com o local abandonado, a solução dada pelo Governo do Estado para evitar mais gastos públicos foi fazer uma concessão para a iniciativa privada.
“A empresa privada que vencer a licitação terá que investir em torno de R$ 2,7 milhões, porque tem a obrigação de recuperar o empreendimento, os boxes, e toda a área compreendida. Daí podem colocar restaurantes, e há até a possibilidade de colocar um posto de combustíveis. O aluguel para pagar é em torno de R$ 11 mil mensais, e vence a licitação quem apresentar a condição mais vantajosa para o estado”, explica o secretário de Infraestrutura e Recursos Hídricos da Paraíba, Deusdete Queiroga.
As empresas interessadas em recuperar e explorar comercialmente o espaço do Rodoshopping futuramente têm até o próximo dia 25 para apresentar as propostas, de acordo com o governo do estado.
Aterro sanitário quase pronto, mas sem funcionar
Em Vieirópolis, no Sertão paraibano, o caminhão do lixo passa duas vezes por semana: segunda e sexta-feira. O lixo doméstico, por enquanto, vai para um aterro na cidade de Sousa, também no Sertão. Para este serviço, a prefeitura paga uma taxa de R$ 4 mil. Um valor alto para uma cidade de 5 mil habitantes, e que não deveria existir, já que a construção do aterro sanitário do próprio município está 97% pronta, porém ainda não tem previsão de conclusão.
A obra começou em 2019, mas precisou parar por pelo menos duas vezes, por alguns problemas, segundo a prefeitura.
“No primeiro momento, ainda em 2019, houve uma situação da Funasa no atraso do repasse das verbas federais para essa obra. Depois veio a pandemia. Além disso, também teve uma situação geológica inesperada no projeto, que foi encontrar umas rochas quando foi feito o alicerce. Na sequência, teve ser feito um realinhamento de preço, porque tudo disparou”, explica Fabrício Abrantes, assessor do gabinete do prefeito de Vieirópolis.
A obra foi retomada, mas logo depois a empresa pediu um segundo realinhamento de preços, que foi negado pela prefeitura. A construtora, então, entrou com uma ação na Justiça. Segundo o secretário de obras da cidade, Sinval Barbosa, quando ele assumiu o cargo, no final de 2021, a construção já estava parada.
No canteiro, é possível perceber que uma boa parte da construção está feita. Já existem dois galpões construídos e também a estrutura das células que vão receber o lixo. Já foram gastos R$ 3,6 milhões na construção, que já apresenta sinais de destruição. O telhado de um local onde seria um banheiro, caiu, com uma infiltração. O calçamento do acesso às células, para no meio do caminho.
O Ministério Público Federal (MPF) investiga por que o aterro não foi concluído, mesmo com quase todo o valor previsto já pago. A prefeitura explica que negocia com quem está financiando a obra, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), e quer o remanejamento de recursos para concluir e equipar o local.
“O que falta de investimento é esse percentual pequeno de conclusão, de cerca de 2%, mas também requer equipamentos, excluindo o pouco que já foi comprado, então nós acreditamos que com mais R$ 600 mil a obra seja concluída”, completa Fabrício Abrantes.
Em nota, o prefeito de Vieirópolis, Célio Aristóteles, afirmou que a obra já foi retomada e espera entregar o aterro sanitário no primeiro semestre do ano que vem.