Cotidiano
21 de setembro de 2021
17:16

Assistente social da PB investe nas redes sociais para avançar debate sobre acessibilidade

Fábia Halana aposta na criação de conteúdo para a construção de uma luta anticapacitista.

Matéria por Lara Brito

“Heroína, guerreira, batalhadora”: palavras que muitas vezes são vistas como elogios, na verdade servem como reforço ao capacitismo que estigmatiza pessoas com deficiência. São termos que a assistente social Fábia Halana cresceu ouvindo, desde criança. Em uma perspetiva de desconstruir a imagem romantizada de pessoas com deficiência, ela criou a página Nosso Lugar PcD para compartilhar vivências e informações sobre a temática.

“Eu costumo dizer que Xena, que é princesa guerreira, que é que é guerreira. Eu, Fábia, sou uma pessoa, mulher com deficiência, com muito orgulho, que tento lidar com o dia a dia ali em relação as barreiras”, explica. 

Na Paraíba, 27,7% da população tem algum tipo de deficiência – são mais de um milhão de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Esta terça-feira, 21 de setembro, marca o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência e apesar de pautas relacionadas a este público terem crescido nos últimos anos, a estigmatização continua. 

Segundo Fábia, por exemplo, mesmo quando pessoas com deficiência tem a oportunidades de trabalhar, existe a visão de que elas não são tão qualificadas quanto as outras pessoas. Além disso, muitas precisam de adaptação do espaço de trabalho – o que é comum que não aconteça.

Conforme a Lei nº 13.146, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas, com direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo. 

Porém, falta a contrapartida para que esses direitos sejam efetivados. “Deveria haver políticas públicas de empregabilidade, de renda, incentivo das empresas obedecerem aquele percentual da Lei de Cotas e ter a responsabilidade de de entender o da pessoa com deficiência”, disse a assistente social.

 

 "(...) A pessoa com a deficiência tá nos espaços e tem que ser respeitada do jeito que ela é, não tem que consertar, não tem o que excluir, não ter que invisibilizar, tem que é colocar o holofote de luz pra visibilizar mesmo, pra dar ênfase ao segmento."  

A pessoa com deficiência já foi representada demais por outras pessoas

 

Parte do objetivo da Nosso Lugar PcD é também reivindicar esses direitos, garantidos por lei. Fábia começou a criar conteúdos informativos e educativos no seu perfil privado, porque via constantemente nas redes sociais pessoas reproduzindo falas indelicadas e nomenclaturas erradas. Ela pensava: “não é possível que em 2020 a gente tem que falar o básico do básico”. 

Seu primeiro vídeo foi explicando o termo “pessoa com deficiência”, adotado oficialmente desde 2006 e substituindo termos pejorativos como “especial”. Com a produção, seguidores de Fábia começaram a pedir mais conteúdo e perguntar mais na sua página.

Mas não era somente informar, mas também desconstruir a imagem romântica de heroína, de objeto de superação, associada a pessoas com deficiência. Para Fábia, faltava um tom de criticidade nos conteúdos e uma reflexão de uma forma mais real.

“Falavam ‘ah o amor pela causa’, ok, é importante ter amor naquilo que a gente faz, na luta que a gente tem, mas não só isso, nós temos desafios. Grandes barreiras a serem desconstruídas. Ao mesmo tempo que a sociedade coloca essas barreiras, ela elogia, então é uma contradição muito forte”. 

O nome da página veio justamente para trazer o lugar de fala para pessoas com deficiência. Com conteúdos quase diários, o Nosso Lugar PcD permitiu a criação de uma comunidade de gente que passa por coisas semelhantes ou curiosos, que querem investir em uma educação maior sobre o assunto.

 

Historicamente, a pessoa com deficiência já foi representada demais por outras pessoas, tanto a família quanto os profissionais que lidam e lidavam com as pessoas com deficiência, mas o principal é a fala das pessoas com deficiência. (…) que que respeitar o jeito que elas se expressam”. 

 

 A deficiência, eu entendo como mais uma característica minha. Então não é algo que atrapalhe, que me limite ou que vá diminuir meu potencial, não. Eu só tenho que fazer algumas mudanças no cotidiano por conta da acessibilidade nos locais que eu vou.”  

Acessibilidade e mudança de atitude

 

A Nosso Lugar PcD também reivindica ações na área de saúde, educação, transporte, planejamento e execução e de políticas públicas voltadas para área de tecnologia, de lazer e de possibilidades das pessoas com deficiência. É um chamamento público para a discussão coletiva sobre o tema. 

De acordo com a assistente social, um lema muito forte dentro do movimento é justamente a cobrança por participação na elaboração de políticas públicas e no debate de ideias. Ter uma gestão pública com pessoas com deficiência dentro do quadro de funcionários é de suma importância para que ações sejam feitas de acordo com as demandas do público.

Além disso, a elaboração de campanhas de informações e a criação de mecanismos para escutar a população através de ouvidorias também são importantes para questões de acessibilidade – que vai além de barreiras físicas e arquitetônicas como rampas, barras de apoio e portas largas.

Acessibilidade também é audiodescrição, adaptação de metodologias de ensino em escolas, inclusão no mercado de trabalho, investimento em ações de inclusão, acesso à informação e a locais de apoio.

Também é o rompimento de barreiras criadas pelo capacitismo: a ideia de que corpos com deficiência têm que ser consertados ou que são apenas objetos de superação.

(…) Justamente ser anticapacistita, ou seja, ter o entendimento que não é para ter nenhum tipo de preconceito muito menos opressão em relação a uma pessoa com deficiência. (…) Somos pessoas e temos personalidades, tem dia que a gente tá bem, tem dia que a gente não tá, temos nossas atividades, nossas escolhas, nossas preferências”, explica Fábia.

A noção de que pessoas com deficiência são inspirações também contribui para uma cultura de inferioridade e infantilização.

“As pessoas com deficiência adultas são tratadas como crianças. ‘Ah eu vou lhe dar o suquinho, pegar aqui o copinho’. Aí quando veio a gente numa festa, numa balada, num negócio aí fica, ‘nossa, você aqui’. Assim, isso já aconteceu várias vezes comigo. ‘Você aqui na festa’? Pois é! Eu tô aqui, que nem você também está.”

Para Fábia, gestores deveriam descentralizar a Lei Brasileira e também implementar a nível estadual. Ela julga o momento atual histórico para a garantia desses direitos, justamente por existir plataformas como o Nosso Lugar PcD que possibilitam maior interação e organização entre pessoas interessadas no movimento.

Através da página, a assistente social já contribuiu com outros colabores com deficiência, foi convidada para palestras, investiu em capacitação para redes sociais e conheceu gente do Brasil todo.

 (…) tô (sic) ali tentando contribuir na luta para que futuramente as pessoas com deficiência possam usufruir daquilo que já foi conquistado, daquilo que a gente tá aqui eh tentando a duras penas continuar, diante desse desgoverno, e para que elas avancem futuramente, conquistem mais e assim por diante.”

 

*Sob supervisão de Jhonathan Oliveira

 “Eu tô deixando um legado para as pessoas com deficiência. O intuito é esse", finaliza.