RETRO2016/David Bowie

Dos grandes artistas que morreram em 2016, David Bowie foi o primeiro. No dia dez de janeiro, vítima de câncer no fígado, doença que não foi tornada pública. No dia oito, fizera 69 anos e lançara um novo disco.

O texto que posto a seguir foi publicado na edição impressa do JORNAL DA PARAÍBA de 12 de janeiro.

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David Bowie é chamado ao palco do majestoso Royal Albert Hall para fazer dois números no bis do show de David Gilmour. É ovacionado pela plateia, recebido de pé. Agradece e solta a frase: “I hope I warrant that”. O comentário pode inseri-lo no grupo dos artistas que sabem o quão importantes são, mas às vezes se comportam como se não soubessem. O que se segue é um momento de grande elegância de um homem que começava a envelhecer e, ali, ao revisitar a canção psicodélica do Pink Floyd, funde a ousadia da juventude com uma contenção trazida pelo passar do tempo.

Ouvi David Bowie na primeira metade dos anos 1970 com um amigo que, num surto psicótico, disse ter sido levado pelos marcianos. O amigo, nunca mais vi. A música de Bowie, só reencontrei nos 40 anos de “Ziggy Stardust”, em 2012. Desperdicei mais de 35 anos – foi a sensação que tive. Corri atrás, mas, claro, perdi o prazer do olhar contemporâneo, da audição do disco no instante em que é lançado. Como havia feito um pouco, porém menos do que desejava, com “Ziggy”, “Aladdin Sane”, “Pinups”, “Diamond Dogs”, “Young Americans” e “Station to Station”.

O David Bowie que me restou, entre o quadragésimo aniversário de “Ziggy Stardust” (ainda de devastadora beleza) e o dia em que amanheço com a inesperada notícia de sua morte, tem o sabor inevitável de uma descoberta tardia. Mas não ouvi-lo teria sido muito pior. Não tê-lo a enriquecer a minha discoteca equivaleria, de resto, a ignorar o óbvio: o significado do que sua música e sua figura (aliadas à performance no palco, ao cinema, à moda, ao comportamento, à ousadia, ao experimentalismo) representam para a cultura pop da segunda metade do século passado.

A tese tropicalista de entrar em todas as estruturas e sair (inteiro) delas, Bowie viveu intensamente em sua carreira. Do pop mais banal ao experimentalismo mais ousado. Até o jazz do disco que lançou na semana passada, no dia em que completou 69 anos. Jazz que já norteara a excepcional “Sue”, de 2014, que remete ao Milton Nascimento de “Cais” e “Trastevere”. Se me perguntam pelo Bowie que prefiro, digo que é o dos anos 1970, talvez pelo gosto do olhar contemporâneo. Mas o melhor é ouvi-lo todo. Só o conjunto dará a dimensão do artista extraordinário que ele foi.