A cada cem presos que cumprem pena na Paraíba, apenas 13 trabalham

Trabalho, que ajuda na ressocialização e reduz a pena, é privilégio de apenas 1.552 num universo de mais de 11 mil presos no Estado.

O arrependimento bateu quando Hélio Muniz, 49 anos, passou pelos portões da Penitenciária Máxima Geraldo Beltrão, em João Pessoa. Condenado a uma pena de 40 anos pela prática de homicídio, Hélio, pai de dois filhos, matou um desafeto e perdeu a liberdade. Perdeu também a esperança de ser novamente aceito pela sociedade quando voltar às ruas. Mas a oportunidade de trabalhar na prisão o fez pensar que era possível sim recomeçar e ressocializar.

Muniz ainda não tem previsão de quando deve progredir de regime, mas já alimenta expectativas para quando esse dia chegar. No cárcere, ele participou de cursos profissionalizantes e hoje faz parte do grupo de presos que trabalha na fabricação de blocos de concreto. O trabalho é realizado sob sol forte, no pátio da Máxima, onde Hélio reflete sobre a vida e sobre as consequências de seu ato. “Quero mudar de vida quando sair. Quero uma oportunidade para trabalhar e seguir meu caminho como uma pessoa de bem”, declarou.

O trabalho no cárcere é apontado como uma das etapas fundamentais no processo de ressocialização de presos, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Mas a oportunidade não vem para todos. Nesse contexto, o apenado Hélio Muniz pode se sentir um privilegiado. Ele faz parte dos 13,6% dos presos que trabalham na Paraíba. Esse percentual é o mesmo que dizer que dos 11.393 apenados do Estado, apenas 1.552 exercem algum tipo de atividade durante o cumprimento da pena. Ou ainda: a cada 100 presos, apenas 13 trabalham. Os demais padecem no ócio.

A situação da Paraíba não difere muito dos outros estados do país, onde o percentual também é baixo, conforme o Depen. O trabalho na prisão é, além de um possível caminho para a ressocialização, uma forma de diminuir a pena: a cada três dias trabalhados, o preso tem um a menos na pena, segundo a Lei de Execuções Penais.

Na Máxima de Mangabeira, presídio destinado a presos condenados, dos 268 detentos, 12 trabalham, segundo informou o diretor da unidade, João Rosas.

Trabalho renova esperança

Vinte e sete anos de idade e nove na prisão. Com uma pena de 26 anos por latrocínio (roubo seguido de morte), o detento Fábio Dias disse encontrar no trabalho uma oportunidade de mudança. A vida do jovem deu uma reviravolta quando, em 2007, ele matou um estudante na porta do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), depois de roubar-lhe o celular. Foi preso e condenado no banco dos réus.

Quando chegou à prisão, com apenas 18 anos, Dias passou a refletir sobre sua vida. Caiu no choro quando o juiz leu a sentença. Decidiu seguir por um caminho diferente. Foi quando ficou sabendo que poderia trabalhar enquanto cumpria a pena. Fabrica os blocos de concreto que são usados para reformas e ampliações do sistema penitenciário. “É uma forma que a gente encontra de passar o tempo e de aprender alguma coisa para quando voltar às ruas. Sei que é difícil, as pessoas têm preconceito, mas estou fazendo minha parte”, explicou.

O diretor da unidade, João Rosas, disse que são comuns os relatos de preconceito e resistência por parte da sociedade em oferecer um emprego a alguém que carrega consigo o título de ex-presidiário. “Nos casos de reincidência criminal é comum ouvirmos relatos de presos reclamando que não conseguiram uma oportunidade lá fora e decidiram voltar ao mundo do crime”, declarou Rosas. Segundo ele, o presídio tenta envolver ao máximo os detentos com o estudo e trabalho, apesar das muitas deficiências do sistema penitenciário.

Redução da pena também é um estímulo

Para trabalhar, o preso precisa cumprir alguns requisitos. Um deles é o bom comportamento, ou seja, ele não pode ter faltas graves e deve seguir a disciplina imposta. Outra exigência é a aptidão para determinada atividade, o que muitas vezes é obtido através dos cursos de qualificação. Cumpridos esses requisitos, é necessário ter trabalho disponível para os detentos, o que nem sempre acontece. Daí resta o ócio.

A gerente de ressocialização da Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba (Seap-PB), Ziza Maia, disse que o Estado oferece serviço aos presos através de parcerias com empresas públicas e privadas. São contemplados presos dos regimes fechado, semiaberto e aberto, tanto homens quanto mulheres. “Aos de regime fechado são oferecidos trabalhos na cozinha, limpeza, artesanato, auxiliar penitenciário de saúde, manutenção predial, costura de bolas, dentre outros”, frisou.

Ziza destacou que, pela Lei de Execuções Penais, a jornada de trabalho dos presos não pode exceder as 8 horas diárias. Todos os apenados que exercem atividades dentro dos presídios do Estado recebem bolsa reclusão, cujo valores são repassados aos familiares. Segundo Ziza, a remição de pena é um forte estímulo para que os presos demonstrem interesse nas atividades laborais oferecidas.

Juíza considera insatisfatório o número de presos trabalhando

Quanto mais acesso ao estudo e ao trabalho o preso tiver, maiores serão suas chances de ressocialização, na avaliação da juíza da Vara de Execuções Penais de João Pessoa, Andréa Arcoverde Cavalcanti Vaz. O percentual de 13,6% dos detentos trabalhando nas unidades prisionais da Paraíba é insatisfatório, segundo ela. “É um percentual baixo. Inclusive já me reuni com o secretário da Administração Penitenciária e com a gerência de ressocialização para discutirmos essa situação e buscar melhorias”, frisou.

A juíza questionou o não cumprimento da lei estadual n° 9.430/11 que dispõe sobre a obrigatoriedade das empresas vencedoras de licitações públicas a reservarem até 5% das vagas existentes para a contratação de obras e serviços aos sentenciados. “A lei não é cumprida. Caso fosse, esse percentual aumentaria consideravelmente. A secretaria ficou de tomar as providências”, explicou Andréa. Segundo a juíza, o cenário da Paraíba não foge à regra nacional.

Dentre as iniciativas positivas, Andréa Arcoverde citou a fabricação de bonecas de pano na Penitenciária Feminina Júlia Maranhão, em João Pessoa. “O projeto de bonecas é algo que merece destaque. As mulheres, inclusive, participam de várias feiras de artesanato. O acabamento dos produtos impressiona”, destacou. Contudo, a juíza disse que não há muito mercado e as vagas oferecidas no presídio são poucas. E voltou a elogiar: “É algo que realmente merece destaque”, explicou.

Embora tenha afirmado que o número de presos trabalhando é insatisfatório, a juíza disse que percebe o esforço da Secretaria de Administração Penitenciária em melhorar essa realidade. “Há várias parcerias e os detentos participam de cursos de capacitação. Existe essa preocupação por parte da gestão penitenciária, não podemos negar. Mas é preciso melhorar, fazer mais parcerias para ampliar o número”, destacou Andréa.