Adolescentes são seduzidas pelo crime e perdem a liberdade

Das 33 menores que cumprem medida na Casa Educativa, localizada em João Pessoa, 23 estão por crime análogo ao tráfico e sete por análogo a homicídio.

A ânsia pela liberdade e responsabilidade em cuidar da família, que Teresa tomou para si, impulsionam a garota, que tem só 14 anos, a contar os dias para sair da Casa Educativa, em João Pessoa. Na unidade de internação, ela e outras seis adolescentes cumprem medida socioeducativa por crime análogo a homicídio. A informação é da Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Fundac) e revela ainda que outras 23 garotas estão no local por envolvimento no tráfico de drogas. Delitos que, há pelo menos cinco anos, eram mais corriqueiros no caso de adolescentes do sexo masculino. Agora, são elas que comandam, recrutam outras adolescentes e lideram os grupos nas ações criminosas, segundo as autoridades do Judiciário.

Fora da escola e com mãe esquizofrênica, na mesma rua onde até pouco tempo brincava de pular corda, Teresa encontrou outras meninas e meninos que a convidaram para ganhar dinheiro fácil, quem sabe comprar aquela ‘roupa da moda’ que ela via nas vitrines. Convite aceito, presentes em mãos e em novembro do ano passado a menina, ainda com traços infantis, assumia a autoria de um homicídio. Praticado ali, na mesma rua que fora o palco das brincadeiras e do encontro com os amigos ingratos.

“Se eu pudesse fazer um pedido, eu queria minha liberdade. Depois, esquecer aquelas pessoas”, disse a menina. O sonho da liberdade é também o de Lúcia, que tem 16 anos e há um ano cumpre medida por crime análogo a roubo qualificado. Assim como Teresa, ela estava fora da escola e entrou no crime por influência de ‘más companhias’, como relatou. “Estava precisando e queria investir em mim. Mas, quando eu ‘caí aqui’, foi que eu refleti: como eu queria investir em mim pegando o que é dos outros? Me sinto culpada. Muito mesmo”, disse a jovem.

Na raiz que motiva esses crimes de maior gravidade está o ‘emaranhamento’ das adolescentes no tráfico de drogas, conforme explica a diretora da Casa Educativa, Áurea Duarte. A partir do acompanhamento no processo de recuperação das meninas, ela revela que as jovens são recrutadas e usadas, de todas as formas, para servir aos grupos de tráfico na Paraíba.

“Há quatro, cinco anos, tínhamos meninas aqui dentro apreendidas por furto de biscoitos, coisas bobas. Hoje, nós temos meninas que estavam emaranhadas comandando o tráfico e tudo porque tem sempre um companheiro por trás. Elas chegam totalmente acabadas. Foram usadas e sofreram abusos de todas as formas. Hoje, o que mais nos preocupa é esse emaranhamento que elas estão tendo com o tráfico. Das 33 meninas que temos, 23 cumprem medida por crime análogo ao tráfico e outras sete por homicídio”, lamentou Áurea Duarte.

A mesma situação é confirmada e motivo de preocupação do juiz da 2ª Vara da Infância, Henrique Jácome. Na opinião dele, a falta de estrutura familiar também contribui para o ingresso das adolescentes na criminalidade. “Há três anos, excepcionalmente a gente tinha uma mulher (adolescente) envolvida em assalto. Hoje temos adolescentes do sexo feminino envolvidas em crime organizado, como tráfico, assaltos e integrando facção”, relatou o  magistrado.

Justiça aponta falhas
Os números da 2ª Vara da Infância de João Pessoa são indícios de que aumentou a participação de adolescentes do sexo feminino em crimes de maior gravidade na capital. Em 2014, uma adolescente tinha sido apresentada ao juizado para cumprir medida por crime análogo a homicídio, no ano seguinte duas garotas respondiam pelo mesmo delito. Com relação ao crime de tráfico de entorpecentes, em 2014 foram duas meninas sentenciadas, em 2015 esse número pulou para cinco jovens. Outro crime que também apresentou crescimento entre as adolescentes foi o roubo qualificado, passando de uma sentença em 2014 para três no ano passado.

O abandono dos estudos ou baixa escolaridade, histórico de abuso sexual ou abandono familiar são situações corriqueiras na vida da maioria das adolescentes que cometem atos infracionais. A análise é do juiz da 2ª Vara da Infância de João Pessoa, Henrique Jácome. Na opinião dele, esses são indícios que mostram que a rede de proteção a essas meninas, que deveria evitar o ingresso na criminalidade, apresenta falhas.

“Elas são em regra emotivas e confessam a participação nos crimes, mostram-se arrependidas. O que percebemos é que, muitas vezes, a questão (problemas) familiar e socioeconômica tem uma influência grande para ‘encaminhar’ essas meninas para o mundo do crime. É uma constatação, e tem crescido muito, o número de adolescentes que são envolvidas em atos infracionais que passaram por abusos sexuais ou de outra natureza”, explicou o magistrado.

Roberta saiu de casa aos 12 anos para morar com amigas. No ano passado, o aniversário de 13 anos foi na Casa Educativa, onde cumpre medida por delito análogo a roubo. A cada visita da mãe, ela tenta convencê-la de que a dona de casa não é culpada pelo ato infracional que cometeu. “Eu saí de casa para morar com umas colegas, não dar satisfação. Ela (a mãe) se sente culpada, diz que não cuidou de mim direito. Mas eu digo a ela que não. A gente entra nessa vida se a gente quiser”, confessou a menina.

Na opinião do juiz, o envolvimento das adolescentes em crimes mais graves, como o análogo ao tráfico e analógo à prática de homicídio, indica que os conflitos e problemas familiares progrediram.

“As pessoas estão procurando a justiça familiar em um passo mais tardio. Não podemos dizer que não há punição. Temos, hoje, mais de 730 adolescentes (meninos e meninas) cumprindo medidas. Isso preocupa demais, porque quando um adolescente vem para a internação significa que a família, a escola e a rede de proteção precisam melhorar a atuação. A gente precisa melhorar as instituições da rede de proteção, porque de certa forma, nós (sociedade), falhamos como um todo”, complementou Henrique Jácome.

Promotoria recebe 32 adolescentes
Há cinco meses na Casa Educativa, aos 16 anos Paula ainda não sabe quanto tempo terá que esperar para voltar a brincar com o irmão mais novo. Ela conta que as rebeldias da adolescência a fizeram sair de casa, deixar a escola e a proteção da família para, aos 13 anos, morar em outra cidade. Aos 14 já mantinha uma relação conjugal com um jovem, também da mesma idade. Aos poucos, enquanto o companheiro tentava deixar as drogas, ela fazia o caminho oposto e acabou se envolvendo em um crime análogo a latrocínio.

Em 2015, casos de adolescentes do sexo feminino envolvidas em atos infracionais somaram 32 entradas na Promotoria da Infância Infracional de João Pessoa. Deste total, oito garotas foram apreendidas por tráfico de drogas e duas por participação em crime análogo a homicídios. De acordo com a promotora responsável, Ivete Arruda, as adolescentes envolvidas nesses dois tipos de delitos, na maioria das vezes, também são as mesmas que articulam as ações.

“A participação delas tem aumentado e, nos homicídios, elas são aquelas que levam para o ‘cheiro do queijo’, que se fazem ser desejadas para chamar a atenção da vítima e, muitas vezes, assistem aos homicídios. Na sua grande maioria, até para ganhar espaço no tráfico. Elas não atraem só os homens, mas outras adolescentes também”, explicou a promotora.

Ivete Arruda revela ainda que o envolvimento de adolescentes em atos infracionais de maior gravidade está cada vez mais saindo das periferias e alcançando jovens de classe média. “Não é só o grupo vulnerável, que não tem escola, família, que está se envolvendo em crimes graves. São também meninas que têm família presente, estudam em boas escolas, têm uma base familiar em casa, mas que participam de crimes, estão na ‘contramão’ da vida. Estamos vivendo um momento difícil, onde os valores estão de cabeça para baixo”, lamentou a promotora.

Na tentativa de sair dessa ‘contramão’, conforme falou a promotora, Paula se diz arrependida e quer retomar os valores e as boas lembranças da menina que foi até os 13 anos. “Sinto muita saudade de brincar com meu irmão pequeno. Quando sair daqui quero endireitar minha vida, fazer cursos, trabalhar e ajudar minha mãe. É só nisso que eu penso”, declarou a jovem.