Estiagem deixa mulheres ‘viúvas’

Mulheres se veem obrigadas a assumir o comando da casa, enquanto os maridos migram para outras regiões em busca de trabalho.

Quando a seca se agrava, o cenário muda no Sertão da Paraíba. Em muitas casas, só é possível encontrar mulheres e crianças, ou mães e filhos. Os maridos, também pais, tiveram que buscar alternativas para sustentar a família. Muitos foram para São Paulo, onde a promessa de trabalho surge com mais frequência. A distância significa sofrimento para pais e filhos, mas se torna necessária para driblar a fome e os dias difíceis da estiagem.

É a realidade das ‘viúvas da seca’, mulheres que se veem obrigadas a assumir o comando da casa, enquanto os maridos migram para outras regiões em busca de trabalho, que a segunda reportagem da série sobre seca vai abordar. O fenômeno é tão antigo quanto a seca, e o futuro dessas famílias é incerto. Pelo interior da Paraíba é possível encontrar Marias, Franciscas, Anas e muitas outras mulheres que partilham a mesma dor da solidão causada pela seca.

No município de Pedra Branca, a 445 quilômetros de João Pessoa, a reportagem encontrou uma dessas Marias, com sobrenome Basílio de Almeida, 42 anos. Há 2 meses, o marido saiu de casa com destino ao interior de São Paulo, para trabalhar como auxiliar de pedreiro. Ao ver os filhos chorando na despedida do pai, Maria tentou se manter firme para não tornar o momento mais doloroso. Horas depois, escondida das crianças, também chorou por saber que não é fácil criar os filhos sozinha.

Maria Basílio é uma das vítimas da seca que assola a Região Nordeste desde o ano passado. Tem nove filhos, o mais novo com 2 anos. Do pouco que plantou no início de 2012 (arroz, milho e feijão, que só dava mesmo para alimentar a família), nada se aproveitou. A única renda certa que Maria tem é R$ 480, do programa do Governo Federal, Bolsa Família. “A gente vive no aperto. É comida, é remédio, é muita coisa para pouco dinheiro. São nove ‘bocas’ para alimentar”, disse.

Mesmo com o árduo trabalho em São Paulo, o marido só conseguiu enviar R$ 200 para a família até agora. “É muito pouco, mas dá pelo menos para ajudar nas despesas da casa”, disse Maria, explicando que o marido também tem custos com moradia e alimentação no Sudeste. “Bom seria se a gente conseguisse sobreviver por aqui mesmo, todo mundo junto”, destacou a ‘viúva da seca’.

Um dos filhos de Maria também foi para São Paulo e trabalha em uma fábrica de calçados, o que aumenta o sofrimento dela.

“Se é difícil viver longe do marido, imagine o que é ter um filho também distante”, comentou. “A dor da saudade machuca demais. Muitas noites perco o sono pensando neles”, contou a dona de casa.

Pior ainda, segundo Maria, é explicar essa dura realidade para os filhos pequenos, que a todo instante perguntam quando o pai e o irmão voltam. “Tem dia que os meninos choram tanto e eu fico sem saber o que fazer”, disse Maria, que não consegue esconder o semblante de tristeza. “Acho que o mais difícil da seca é esse negócio de separar as famílias”, lamentou.

Quando o telefone celular toca, a cada 15 dias, a casa vira uma festa. Do outro lado da linha, Francisco (o marido) aguarda para falar com a mulher e os filhos. Os primeiros minutos da ligação são marcados pelo choro, segundo Maria. “A gente chora de saudade um do outro, dos tempos de chuva, dos dias que fomos felizes aqui na nossa casinha”, disse.

Enquanto Maria conversa com Francisco, os meninos formam uma fila, cada um mais ansioso que o outro para falar com o pai. “É uma felicidade só, você nem imagina”, declarou. O reencontro da família deve acontecer em dezembro deste ano, mas isso se Francisco conseguir juntar algum dinheiro. Caso contrário, vai demorar um pouco mais. Mesmo assim, Maria não desanima. “Quando a seca for embora, meu marido volta para mim”, profetizou.

Migração para o Sudeste é recorrente

A migração para o Sudeste parece algo recorrente no interior da Paraíba. A dor da saudade também aflige a família de Sandira Nicodemis, 39. Na zona rural de Pedra Branca, ela tenta sobreviver distante do marido, José Félix dos Santos, que foi para São Paulo há três meses com o objetivo de garantir o sustento dos quatro filhos. O mais novo, de 4 anos, chora todas as noites, com saudade do pai. Diante da atitude da criança que não entende o que é a seca, mas sofre suas consequências, a mãe diz que o marido logo vai voltar e pede, em vão, para o menino ter paciência. “A gente se sente viúva de marido vivo”, comentou.

Segundo Sandira, desde o dia que José Félix viajou, a casa foi tomada pela tristeza. “Ele só foi embora porque aqui a gente não tem nada. Nem a feira dá para fazer direito”, disse.

A renda da casa se resume aos R$140 do Bolsa Família, complementada com os R$ 250 que o marido manda ao final de cada mês. “Essa seca maldita castiga demais”, disse a mulher, que aparenta ter bem mais que 39, devido aos anos de trabalho na roça sob o sol. Essa foi a terceira vez que Sandira vê o marido sair de casa para trabalhar em São Paulo.