Histórias reais de pescadores que enfrentam o mar diariamente

 Com rede, anzóis e em pequenas embarcações, pescadores de Cabedelo e Jacumã enfrentam árdua rotina para garantir o sustento da família

Três da manhã. Wilson Marques e a esposa, Diná Alves, já estão de pé para mais um dia de trabalho no mar. O ponto de partida fica em frente à casa onde moram, na comunidade Manguinhos, em Cabedelo, Região Metropolitana de João Pessoa. Enquanto ele organiza as redes, o anzol e o recipiente para colocar os peixes e crustáceos que pretendem coletar antes das 10h; na cozinha ela prepara o café, que às vezes é consumido com bolacha, primeira refeição do casal. Do lado de fora, bem preso a uma estaca para “a maré não levar”, um pequeno barco, pintado em vermelho e branco, espera pelo dois de pescadores.

Diná, de 45 anos, e Wilson, de 50, aprenderam o ofício da pesca com os pais, os quais herdaram a mesma profissão dos avós e bisavós. Ela começou a pescar aos 12 anos, com anzol e rede, mas sempre nas águas mais calmas de Cabedelo. Ele aos 13, porém, já se aventurou na pesca em mar aberto, um sonho ainda guardado por Diná. Casados há 25 anos, além do trabalho e histórico familiar, os dois têm em comum a simpatia, que ajuda a superar as dificuldades e continuar na profissão.

“Esse barco aqui é alugado. Pago R$70 por semana, um dinheiro que já faz falta para a feira. No mês que está fraco e que sei que não poderemos pagar o aluguel, eu peço um barco emprestado a um amigo. Mas a gente planeja em comprar o nosso, assim que terminar o financiamento das redes”, comenta Wilson Marques.

Atenta às declarações do marido, Diná Alves lembra que foi com a renda da pesca que os dois conseguiram sustentar os três filhos e lamenta a falta de incentivos públicos para apoiar os pescadores. “A profissão de pescador é muito sofrida. A gente tem que se virar como pode. A coisa boa que tem é que quando estamos no mar, a gente esquece os problemas”, disse.

Do outro lado da costa paraibana, o ‘Riso do Mar’ está aportado na Praia do Amor, em Jacumã, no Litoral Sul do Estado. O barco que mistura as cores azul e branco pertence a Antônio Jerônimo dos Santos, conhecido entre os colegas de profissão como ‘Cabeludo’. Dos 56 anos de vida de Antônio, 44 são dedicados à pesca.

“Sou do tempo que a gente pescava com jangada, mergulho e rede de arrastão. Hoje, os peixes estão se afastando mais da costa e a gente só pesca o que preste se for com motor no barco para ir para mais longe. Agora, a manutenção de barco é cara”, lamentou o pescador.

Assim como o casal cabedelense, para “pescar o que preste”, como disse Antônio dos Santos, ele sai para o mar às 2h e retorna por volta das 8h. Mesmo com as dificuldades, ele preserva a mesma alegria do menino que deu os primeiros passos na pesca com o pai e a satisfação em esperar a madrugada para navegar e voltar para a caiçara (casa de palha), onde mora.

“O ‘Riso do Mar’ é porque o mar para mim é uma felicidade maior do mundo”, disse Antônio dos Santos.

Atividade resiste ao tempo

A pesca do marisco é uma atividade presente até hoje entre as filhas e netas da pescadora e marisqueira mais velha do distrito de Acaú, município de Pitimbu (Litoral Sul), Doralice de Sousa. Assim como ela, que aprendeu a profissão com a mãe e avó, as mulheres da descendência de Doralice têm na atividade a principal fonte de renda.

A aposentada revela que foram mais de 70 anos dedicados à catação do crustáceo nas águas da praia de Acaú e nos ‘braços de maré’ que correm para o mar. Emocionada ao contar que criou as três filhas com a venda do produto, ela lembra dos tempos de criança, quando acompanhava a mãe e avó na única atividade que garantia o alimento para casa.

“Na minha família, todo mundo pescava. Eu comecei com seis anos, na praia Carne de Vaca (Pernambuco). Meu pai ia para o mar e minha mãe catava marisco e siri. Depois eu continuei. Meu marido também era pescador e o marisco foi nossa salvação. Foi quem me deu de comer e ajudou a criar meus filhos e até hoje me dá o sustento”, recordou a aposentada, de 87 anos.

Uma das filhas dela, Doraci de Sousa, de 57 anos, divide o tempo entre cuidar da mãe, netos e a catação de mariscos. “Nunca gostei de trabalhar com outra coisa. Catar marisco é muito bom e o sossego do mar e do mangue é uma terapia para nós”, contou.

Luclécia de Sousa, neta de Doralice, também segue a mesma profissão e se orgulha da trajetória da avó. “A história dela é muito bonita e ela passou isso para a gente. Para mim, o marisco é a melhor coisa”, disse.

Responsável pela colônia de pescadores de Acaú, que conta com cerca de mil trabalhadores da área, Custódio Evangelista reforça que a catação de marisco é fonte de renda para muitas mulheres do distrito, o que auxilia no orçamento doméstico no período do defeso da lagosta, principalmente. “Nossa colônia abrange também as marisqueiras, porque elas são pescadoras. Então, nesse período do defeso da lagosta, a renda do marisco muitas vezes é a única coisa para manter a casa. As marisqueiras são organizadas e algumas até participam de projetos com artesanato", informou Custódio Evangelista.

Falta de incentivo é barreira para a pesca

As dificuldades na aquisição de equipamentos e a falta de incentivos governamentais são as principais reclamações dos pescadores e argumentos reforçados pelos representantes da categoria. A segunda colônia mais antiga do Estado, a Z-2 Presidente Epitácio Pessoa, localizada em Cabedelo, conta com quase mil filiados. O diretor da entidade lamenta a falta de possibilidades de financiamentos para compra de embarcações e melhor atuação da prefeitura no apoio ao escoamento da produção dos pescadores.

“A profissão de pescador é uma das mais antigas do mundo e também uma das que mais sofre. Para nós, falta incentivos para a compra de embarcações de pequeno porte, que são as que o pessoal mais usa para a pesca no Rio Paraíba e no mangue. Nem todo pescador tem condições de comprar um barco e termina trabalhando para os outros. Também não temos muito apoio com relação aos catadores de caranguejo e as marisqueiras”, lembrou o diretor da Z-2, Lídio José da Silva.

Em Pitimbu, no Litoral Sul, a colônia Z-4 tem 1.220 pescadores cadastrados e na sede da colônia deveria funcionar uma cooperativa para auxiliar os profissionais na venda do pescado. Porém, a falta de apoio governamental para aquisição de equipamentos e escoamento da produção, não ajuda na melhoria da renda dos pescadores, segundo informou o tesoureiro da colônia, José Gomes deMelo.

“Aqui a gente só é visto no tempo da festa de São Pedro. Mas o resto do ano ficamos aqui isolados. Com essas máquinas, a gente queria fazer uma fábrica de gelo para conservar o pescado, mas essas máquinas nunca funcionaram, estão ai se acabando na ferrugem e até hoje ainda estamos devendo ao banco. Até a Secretaria da Pesca, que tinha na prefeitura, não existe mais”, lamentou José Gomes.

Já o líder da colônia Z-9, localizada no município de Jacumã, Ariosvaldo de Souza, cobra a execução de projetos do município direcionados para os trabalhadores. “Em todo canto que a gente procura as portas estão fechadas. Para participar de programas do governo, a gente precisa desse apoio, mas não temos um técnico para nos acompanhar”, disse.

Prefeituras dizem que há projetos

Os representantes das secretarias de Agricultura e Pesca das prefeituras de Cabedelo e Pitimbu afirmaram que têm conhecimento das cobranças feitas pelos pescadores e alegaram que há projetos voltados para esses profissionais.
O secretário do Meio Ambiente e Pesca de Cabedelo, Walber Farias, informou que a prefeitura vai retomar ainda este ano um programa de apoio aos pescadores, disponibilizando apetrechos de pesca, motores para embarcações e redes. Segundo ele, a secretaria está fazendo um levantamento para quantificar os pescadores do município e pretende também construir três trapiches em alguns pontos utilizados para a pesca.

“O objetivo desse programa não é assistencialista, mas oferecer condições para que os pescadores desenvolvam suas atividades. Com esse projeto, se o pescador precisar de algum equipamento, ele vem à secretaria, faz o cadastro, a equipe de assistência social constata a situação e ele receberá o auxílio, que será o objeto ou serviço solicitado. Outro projeto que vamos executar ainda esse ano é a construção de três trapiches: Jardim Manguinhos, Renascer e Jacaré”, explicou Walber Farias. 
Ele lembrou ainda que, através de um convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a prefeitura já conseguiu uma verba de R$500 mil para instalação de uma unidade de triagem para o pescado. O projeto para esse serviço está em fase final de elaboração.

Já em Pitimbu, o secretário adjunto da Pesca, Jânio Albuquerque, informou que a pasta está elaborando um projeto para apresentar ao Banco do Nordeste e lembrou que a secretaria possui ações de assistência aos profissionais cadastrados na prefeitura. “Nós ajudamos nas reformas de barcos, apetrechos de pesca e auxílio para compra de motores. Acompanhamos as necessidades dos pescadores. O último projeto que tivemos foi um convênio com o governo do Estado que disponibilizou R$358 mil através do Empreender”, explicou Jânio Albuquerque.
A reportagem tentou contato com a Prefeitura do Conde, mas não obteve resposta.

‘Geração de pescadores’ ameaçada

No município de Pitimbu, onde a estátua de São Pedro Pescador simboliza a profissão mais popular da cidade, a pesca parece não ser atrativa para os mais jovens. Entre os pescadores aposentados aos que estão há mais de 20 anos na profissão, é difícil encontrar filhos trilhando os mesmos caminhos dos pais, como acontecia antigamente.

Aos 36 anos, Natanaílson Firmino é um exemplo dessa realidade. Ele aprendeu a pesca com o pai, que herdou a profissão dos avós. Contudo, a tradição da ‘família de pescadores’ deve parar por aí. Dos três irmãos, somente ele persiste na pesca, onde atua desde os 13 anos, e espera que com o filho mais novo o futuro seja diferente.

“Saio de casa todos os dias de madrugada ou de manhã cedo para pescar. Até hoje está dando para levar. Agora, se depender de mim, ele não vai para o mar. Vai somente estudar para ter uma profissão melhor”, planeja o pai de Natanaílson Filho, de oito anos. O filho observa as declarações do pai e retruca: “gosto de nadar”.

Na praia vizinha, em Jacumã, os pescadores João Batista dos Santos e José Fransquiran Bandeira têm uma explicação para o fato da pesca não despertar mais interesse nos jovens. Para eles, já aposentados e com mais de 30 anos de trabalho, a falta de qualificação profissional e incentivos públicos para melhorar o rendimento das vendas contribuem para o afastamento dos mais novos do ramo pesqueiro.

“No meu tempo, nasceu na praia já era pescador. De 1975 até 1985, a pesca era boa, vinha gente de longe buscar pescador aqui em Pitimbu, Cabedelo, para ir para Maceió, Natal. Hoje, ninguém quer. Tenho dois filhos, uma é professora e o outro marceneiro”, comenta José Fransquiran.