Morte de negros vai além da questão da violência

Doenças prevalentes em negros como anemia, hipertensão e miomas uterinos não recebem atenção diferenciada do Estado.

Tantos estereótipos são traduzidos, também, em números. De acordo com o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Ministério da Justiça, na Paraíba, um jovem preto ou pardo tem 13,4 mais chances de ser vítima de homicídio do que um branco. Enquanto que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes é de 8,6 para os brancos, para os negros essa taxa é de 115,4. Para que não haja distorções, a conta leva em consideração a quantidade de habitantes negros e brancos em cada Estado.

No Brasil, de acordo com a mesma pesquisa, o índice de jovens brancos assassinados caiu 5,5%, enquanto que o número de jovens negros mortos subiu 21,3% em 2012, em relação à pesquisa anterior de 2007. O índice nacional mostra ainda que ser jovem e negro é correr 2,5 vezes o risco de morte, comparado ao jovem branco. Somente em 2012, foram registrados aproximadamente 30 mil jovens assassinados no país, sendo 76,5% negros ou pardos e 23,5% brancos.

Para o professor Antônio Baruty, membro fundador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da UFPB, além da violência, no entanto, há outras questões que merecem ser destacadas quando se tratando da situação atual dos negros. Ele se refere, por exemplo, a doenças que são prevalentes em populações negras e que, por isso, merecem uma atenção diferenciada do Estado. A AIDS, a anemia falciforme, a hipertensão, os miomas uterinos, e o câncer de próstata são doenças que têm uma prevalência histórica em negros. "Falta, muitas vezes, uma sensibilidade no sentido de enxergar a questão", comenta.

"Se a gente não tiver um cuidado muito grande para pensar nesse processo pelo qual os negros passam, não para essa geração, talvez, mas para daqui a duas, três, lá na frente, isso não vai mudar nunca", coloca o professor, enfatizando, ainda, o poder transformador da educação. "Quando você fala em preconceito, o preconceito é algo cultural, fruto da sociedade em que vivemos. A educação é carro-chefe de uma mudança", pontua. 

Já de acordo com o gerente de igualdade racial da Secretária do Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Roberto Silva, o Estado tem reativado órgãos que existem de enfrentamento ao racismo – principalmente na Educação, na Saúde e na Juventude. "Um desses órgãos, por exemplo, é o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, que é um espaço de fomento à discussão sobre as doenças que são prevalentes principalmente em negros. Hoje, nós reconhecemos que é preciso ter um olhar diferenciado em relação a essa população e esse olhar vem sendo construído. Não dá para falar, claro, que essa é uma questão recente, já que os negros estão aqui desde que o Brasil é Brasil, mas esse recorte racial, de se pensar essa população com suas próprias características e necessidades, isso tem começado a ser feito nos últimos tempos e nós estamos nos empenhando em desenvolver essa sensibilização", aponta.

Nem tudo, no entanto, são maus presságios. Algumas conquistas já foram feitos pelos grupos de ativismo negro, como é o caso da assinatura da Lei 10.639, em 2003, que tornou o ensino da "História e Cultura Afro-Brasileira" uma temática obrigatória nas escolas. Embora, no entanto, ainda se pareça distante a implementação, de fato, da lei, é ela quem poderá dar acesso às crianças conhecerem a cultura afro-brasileira, livrando-os de estereótipos e preconceitos. "O problema, no entanto, hoje em dia, é que é necessário que haja uma formação dos próprios professores para que eles estejam capacitados a repassar esses conteúdos. Essa é uma das nossas lutas hoje em dia", afirma o professor Antônio Novaes.

Outra conquista, ainda, da população negra refere-se à instituição da Lei das Cotas. A Lei n° 12.711/2012 define que as instituições de ensino superior federais e as instituições federais de ensino técnico de nível médio devem reservar 50% de suas vagas para as cotas. As instituições têm o prazo de 4 anos para a implementação integral da lei, e o mínimo de 25% por ano.

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