Policiais militares acusados de tortura ainda estão na ativa

Dez sentenças condenatórias, entre 2009 e 2012, foram estudadas por pesquisa da UFPB. Dos 33 policiais réus, só sete foram expulsos da PM.

“Levei chute nas pernas, nas costas, murros. Apanhei tanto até que não aguentei mais e desmaiei de dor. Foi muita humilhação e até hoje não sei por que passei por isso”. A declaração é do servente de pedreiro José da Silva (nome fictício), que foi espancado por três policiais militares, em uma cidade do Agreste paraibano. Este caso poderia estar nos capítulos dos livros de História do Brasil que abordam a Ditadura Militar (1964-1985), onde a tortura partindo de policiais e agentes das forças armadas eram constantes. Mas, as agressões sofridas pelo operário aconteceram em janeiro de 2014. Crimes como esse, praticados por policiais e já julgados pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), entre 2009 e 2012, foram objetos de pesquisa do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no ano passado, que revela que a maioria dos acusados continua no serviço ativo da corporação.

Para elaborar o estudo, os pesquisadores analisaram dez sentenças condenatórias de crimes de tortura praticados por policiais militares entre 2003 e 2009, cujos julgamentos aconteceram até 2012. Conforme os documentos judiciais, 33 policiais, sendo seis oficiais e 27 praças, foram apontados como autores dos crimes, que afetaram 18 vítimas, e foram condenados. Contudo, até 2012, somente quatro dos réus, todos praças, tinham sido expulsos da Polícia Militar da Paraíba (PMPB). No último dia 15 de janeiro, outros três policiais acusados de envolvimento em crimes de tortura praticados em 2009 perderam os cargos e saíram da corporação, totalizando sete. Os demais cumpriram penas nos batalhões e continuam em serviço ativo. “Os processos provam o crime de tortura. Mas, quando são julgados são por outro motivo, porque a pena maior do crime de tortura é a perda da função pública. O grande desafio é a efetivação da sentença”, lembrou o pesquisador do NCDH, Jonas Morais. 

Assim como aconteceu com José, de 25 anos, a maior parte das pessoas foi agredida em local ermo e no interior de batalhões, delegacias e companhias de polícia. “Eu estava bebendo em um bar com um amigo. Ele foi embora e assim que saiu vi uma viatura passando. Depois, chegaram três policiais no bar e foram logo me esculhambado e disseram que eu tinha que ir para a delegacia. Me algemaram e me colocaram na mala do carro. Quando cheguei lá, meu colega estava todo machucado e começaram a me bater com chute, murros, pancada na cabeça e até spray de pimenta. Desmaiei de tanto apanhar”, contou José, que junto com o amigo ficou cerca de duas horas em poder dos policiais.

Na análise do pesquisador, tendo como base os acórdãos do TJPB, “a tortura é um problema existente na atuação da Polícia Militar da Paraíba, não como política oficial, mas como método de controle social e de investigação policial”. A pesquisa revelou que, assim como aconteceu com José, as vítimas foram abordadas em via pública e as torturas ocorreram, geralmente, nos primeiros momentos da prisão.

Ainda de acordo com informações contidas nos processos judiciais, além das agressões físicas (pontapés e socos), os policiais utilizaram cassetetes, spray de pimenta, arma de fogo e jatos de água para cometer a violência. Algumas das vítimas sofreram ainda com sufocamento com saco plástico, choque elétrico e fogo. Segundo a conclusão, o estudo identificou que, nos dez casos estudados a tortura foi praticada para a obtenção de informação, declaração ou confissão das vítimas. “A tortura é um crime de oportunidade. Existe um favorecimento daquela situação naquele contexto: falta de fiscalização, um sistema de violência constante no local do crime e inoperância de mecanismos de controle”, revela o documento.

Vítimas foram presas ilegalmente em oito casos

Policiais militares acusados de tortura ainda estão na ativa

Promotor Marinho Mendes diz que há casos de tortura em que as vítimas são pressionadas e não denunciam (Foto: Kleide Teixeira)

A pesquisa realizada pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) revelou também as circunstâncias dos crimes. Os dez casos analisados no estudo aconteceram nos municípios de João Pessoa (3), Campina Grande (2), Princesa Isabel (2), Lagoa Seca (2) e Cajazeiras (1).
Do total de casos, em oito as vítimas foram presas ilegalmente; em seis, as pessoas foram liberadas em via pública após sofrer as agressões. Conforme a pesquisa, esse ato dificultou a prova do crime, pois não havia registro de ocorrência na delegacia local.
Em outros três casos, as vítimas da tortura foram recebidas nas delegacias. Contudo, segundo a análise do estudo, os policiais civis não verificaram o estado de saúde das pessoas.

Um caso que não faz parte do estudo, mas que mostra que abordagens policiais erradas continuam acontecendo é o da dona de casa Edlene de Oliveira, que convive com a dor da perda do filho, que foi assassinado em junho de 2013, e a revolta de até hoje não saber quem foi o responsável pelo crime. Sebastian Ribeiro Coutinho, de 20 anos, foi assassinado a tiros em via pública no município de Queimadas, no Agreste do Estado.
Segundo a mãe do jovem, momentos antes do crime ele tinha sido abordado por policiais e vinha sofrendo ameaças deles por desavenças políticas. A família acredita que policiais podem estar envolvidos com a morte do jovem.

“Ele trabalhou para um político, viu muita coisa errada e decidiu sair. Depois disso, ele começou a sofrer ameaça de policiais que trabalhavam para essa mesma pessoa. Diversas vezes ele foi ameaçado e colocavam a arma na cabeça dele. Meu filho me contava tudo. Ele nunca fez nada de errado, sempre foi um menino trabalhador”, reforçou Edlene de Oliveira.

Ela disse ainda que o inquérito que investiga a morte do jovem está parado e pessoas apontadas pela família como possíveis participantes do crime não foram ouvidos pela polícia. “No ano passado, eu procurei pessoalmente o secretário de Segurança do Estado e relatei a situação para ele. Mas não adiantou nada”, lamentou a mãe.

Ameaças – A ameaça às vítimas é um dos fatores apontados pelo promotor de Justiça Marinho Mendes, vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) da Paraíba, que dificulta a apuração das denúncias e investigação. Segundo ele, há casos em que as vítimas são pressionadas e desistem da denúncia.

“É muito difícil punir a tortura porque as pessoas que sofreram a agressão se sentem ameaçadas e têm medo. Já houve casos em que no dia da audiência, a pessoa não compareceu e desistiu do processo. A própria família da vítima também pode ser alvo de ameaça e convence a pessoa a não falar. Por isso, que a maioria dos casos nem chega a ser investigado e ao Judiciário”, explicou o promotor.

* Para preservar a identidade das fontes, que temem represálias, os nomes de algumas vítimas entrevistadas pela reportagem não foram revelados.

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