Sem proteção, as testemunhas de crimes vivem 24h com medo

Provita, que deveria garantir a vida dessas pessoas que depõem contra acusados de crimes, ainda não tem previsão de ser implantado no Estado da Paraíba.

Fevereiro de 2009. Noite de sábado. Rosa Holmes estava deitada quando ouviu o grito desesperado do filho mais velho, Edvan, 17 anos. No impulso, Rosa pulou da cama e correu até a janela, aflita, para entender o que se passava. Naquele instante, se sentiu impotente. Viu o filho ser morto com quatro tiros à queima-roupa na calçada de casa, no bairro de Mangabeira, em João Pessoa. A vida tranquila que Rosa levava com a família terminava naquele dia. Ao denunciar o homem que ele diz ser o assassino do filho, a dona de casa passou a receber constantes ameaças de morte.

Após ser perseguida e flagrar pessoas rondando sua residência, Rosa decidiu pedir proteção, mas ficou frustrada ao saber que tal serviço não existe na Paraíba. O Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita), cujo objetivo é o enfrentamento à impunidade por meio da garantia da produção de prova testemunhal, através da defesa da vida dos envolvidos, não tem previsão de ser implantado no Estado, o que deixa vítimas e testemunhas entregues à própria sorte.

Rosa é uma delas. A denúncia foi contra um policial militar, que teria atirado contra o jovem.  O policial foi expulso da corporação em 2011. Desde que o filho foi assassinado, sua vida se transformou em um inferno. Ela enfrentou toda a burocracia possível em portas de delegacias, Fóruns e Tribunais. Depois de muita insistência, viu diante de si a possibilidade de ser incluída no Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, mas com uma condição: deixar o marido, doente de câncer, e o filho caçula para trás. “Eu teria que abandonar minha família, a proteção seria apenas para mim. Como eu poderia aceitar?”, questionou.

Diante da impossibilidade de entrar no serviço, Rosa seguiu sozinha. Teve que contar com a sorte e com a fé. Chegou a ser orientada a não sair de casa, nem para ir à feira. Até o simples ato de jogar o lixo na frente de casa se tornou um risco. Três anos depois do assassinato do filho, viu o policial militar ser inocentado pelo Tribunal do Júri. Voltou para casa arrasada, decepcionada com a Justiça. “Minha sorte é porque ele permaneceu preso por outros crimes que havia cometido”, declarou.

No ano passado, o telefone de Rosa tocou. Era uma amiga informando que o seu desafeto estava no regime semiaberto. As mãos ficaram trêmulas. O coração acelerou. Dia e noite, noite e dia, ele passou a fugir da morte. Chegou a deixar a Paraíba, procurando esconderijo, mas por problemas de saúde do marido, teve que voltar para a mesma casa onde presenciou a morte do filho. Meses depois o homem foi novamente preso por transgredir as regras do regime semiaberto. Rosa ficou um pouco aliviada, mas sabe que esse alívio é temporário. “Só dura enquanto ele estiver preso. Vou fugir para sempre”, frisou.

Testemunhas calam e inquéritos param

A história de Rosa Holmes reflete bem a necessidade de um programa que ofereça garantia de vida a vítimas e testemunhas na Paraíba. Quem recebe proteção passa a andar com escolta policial e pode até mudar o nome. A bravura de Rosa foi vista por muitos como loucura. “Outras mães que tiveram os filhos assassinados diziam que eu tinha muita coragem de denunciar um policial. Eu preferi não me calar e apontar o homem que matou meu filho. O que recebi em troca foram anos e anos de ameaças”, declarou.

Rosa é, portanto, uma exceção à regra. Sem um serviço de proteção, familiares de vítimas assassinadas preferem silenciar por medo, o que não foi o caso de Rosa. Ela disse que ficou cara a cara com o acusado do crime e com autoridades que tentavam, direta ou indiretamente, acobertar o caso. Rosa denunciou não apenas o assassinato do filho, como possíveis esquemas de corrupção liderados por policiais. Ela procurou entidades ligadas aos Direitos Humanos e partiu para a luta.

Quando as testemunhas decidem não falar o que sabem para a polícia, uma das consequências, além da impunidade, é o encalhe de inquéritos nas delegacias. O Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, financiado exclusivamente por recursos federais, atua em onze Estados onde o Provita não foi implantado. Dentre eles está a Paraíba, que iniciou as discussões acerca do assunto, sinalizou a intenção de efetivar o programa, mas silenciou.

Em resposta ao JORNAL DA PARAÍBA, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH) do governo federal informou que o Provita é implementado por meio de convênio celebrado entre o Estado e a União. É preciso que ambos entrem com contrapartidas para execução do programa estadual. Quando o pedido de proteção é aceito, a permanência é de dois anos, podendo ser prorrogado, dependendo da situação.

As discussões na Paraíba para implantação do Provita foram iniciadas em 2012, no entanto, a SDH destacou que “não obteve informações sobre as providências que tenham sido adotadas no sentido de se criar a legislação do programa, de se constituir o conselho deliberativo e de se definir qual entidade da sociedade civil organizada executaria o Provita”.

MPF admite que a PB necessita do programa

A falta do Provita se torna ainda mais grave quando se observa os índices de criminalidade na Paraíba. Segundo o Mapa da Violência 2015, o Estado é o quinto mais violento do Brasil. Só no ano de 2012 o número de pessoas assassinadas chegou a 1.260. Isso representa 42 mortes por dia em apenas um ano. Diante desses números, fica evidente a importância de um programa de proteção a vítimas e testemunhas. 

Uma das consequências é vista diariamente nas delegacias estaduais: são poucos os que querem colaborar com o trabalho da polícia. Do outro lado estão famílias massacradas pela dor da perda e pela impunidade. No entanto, para ser eficaz, não basta ser implantado. O Provita, segundo a lei que o rege, deve atuar em parceria com outros serviços com bases sólidas para de fato cumprir seus objetivos.

O Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB) reconhece a necessidade da implantação do programa. Há três anos o órgão promoveu uma série de reuniões nesse sentido, inclusive com a Secretaria de Segurança e Defesa Social (Seds) e representantes dos direitos humanos, mas nem assim o Provita saiu do papel. Nos estados onde tem o Provita, a adesão tem que ser voluntária. Ou seja, a pessoa ameaçada deve expressar o desejo de ser protegida, não pode ser obrigada.

Segundo o MPF, dentre as dificuldades apontadas para a implantação do programa estão: a inexistência de verbas orçamentárias específicas para a contrapartida do programa e a necessidade de uma política de acolhimento provisório das testemunhas ameaçadas enquanto sua inclusão no Provita é avaliada. Acontece que, para ser eficaz, o programa deve se articular com outros programas sociais. O Provita também não deve ser utilizado em substituição a medidas policiais e judiciais que se apresentem como possível solução.

Ainda de acordo com o MPF, durante as reuniões (realizadas entre 2012 e 2013), o secretário de Segurança e Defesa Social, Cláudio Lima, informou que a secretaria já havia assinado os termos propostos pela União para a devida implantação do programa. Porém, as discussões não evoluíram, e o programa não saiu do papel, deixando vítimas e testemunhas abandonadas à própria sorte. Defensores dos direitos humanos também não possuem serviço de proteção estadual e todos os casos são atendidos pela comissão nacional.