Violência contra crianças registra 934 atendimentos em 2015

Maior parte dos atendimentos aconteceu por negligência, que corresponde a 478 casos, de janeiro a setembro deste ano.  

Em outubro deste ano, o sorriso ingênuo e a alegria espontânea de uma criança de apenas 5 anos foram interrompidos por um crime brutal. Reflexo de uma convivência cercada de conflitos familiares, a negligência e a violência física eram situações frequentes na vida do pequeno Everton Siqueira, que morava na cidade de Sumé, no Cariri, cuja história jamais será esquecida pelos paraibanos. Do outro lado do Estado, no município de Queimadas, outras dez crianças viviam em uma realidade que não era diferente em suas fragilidades. Eles enfrentavam uma rotina de ameaças e violência que culminou em um crime que deixou marcas de dor no destino e nos olhares que presenciaram o assassinato da própria mãe, Sandra Serafim, pelo seu padastro.

Os fatos aconteceram recentemente e chocaram o Estado pela forma como terminaram. No entanto, casos de crianças que se tornaram vítimas de negligência, violência física, psicológica, ameaça, abandono, exploração e abusos não são raros na Paraíba. De janeiro até setembro deste ano, os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas) regionais registraram 934 violações de direitos contra crianças e adolescentes. A maior parte dos atendimentos aconteceu por negligência, que corresponde a 478 casos. Os maus tratos psíquicos ou emocionais são a segunda maior causa dos atendimentos, foram 160 no mesmo período. Já os abusos sexuais somam 150 das violações atendidas pelos Creas no Estado. Os dados são da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano (SEDH).

Segundo o psicólogo clínico Rodrigo Pontes, a negligência é uma porta para a violência psicológica. “Esse comportamento é marcado por atitudes que provocam a humilhação, o sentimento de inferioridade ou de rejeição, preconceito, indiferença e que tem no abandono a sua forma mais cruel, deixando marcas para toda a vida”, explicou. Vítima dessa violência, o pequeno Jefferson (nome fictício), 11, não consegue se livrar do trauma deixado pela convivência conflitante com seu padrasto. “Eu nunca gostei dele, ele nunca foi meu amigo. Uma vez ele bateu em mim, mas não sei por quê”, contou o menino, um dos nove filhos deixados por Sandra Serafim.

O psicólogo explica que a violação de direitos é uma violência contra a própria existência humana. “No caso da criança, a violência acontece quando o desenvolvimento é muito frágil e, portanto, menos capaz de se proteger. Além disso, as marcas de uma violência contra as crianças são mais severas e podem deixar prejuízos a médio e longo prazo ainda mais fortes. Muitas vezes, são vários fatores em conjunto, agressão e ameaças, mas o dano psíquico está presente em todos eles”, comentou. As estatísticas da SEDH revelam que a violência física contra crianças foi responsável por 79 atendimentos dos Creas neste ano. O abandono de menores, por 36, e a exploração sexual, contabilizou 22 dos casos atendidos.

Em relação ao trabalho infantil, apenas 9 atendimentos foram realizados, mas essa situação pode ser flagrada diariamente nos semáforos das principais avenidas de Campina Grande, onde crianças de todas as idades concorrem entre si para limpar para-brisas e ganhar algum trocado, que muitas vezes é direcionado para adquirir drogas. “A casa não representa para essas crianças um lugar acolhedor, é um espaço hostil. Com isso, o movimento natural é querer se afastar daquilo e por isso elas gostam tanto de estar nas ruas, fazendo o que for, inclusive se envolvendo em delitos”, afirmou o psicólogo.

Disque 123 pode ajudar no combate à violência
Dificilmente uma criança rompe com o silêncio quando é vítima de violência. Por isso, instrumentos de apoio a denúncias podem representar um avanço no combate a essa problemática. Na Paraíba, através do Disque 123, de janeiro até agosto desse ano, já foram registradas 226 denúncias de violência contra crianças e adolescentes. A maior parte delas é referente à negligência, que vem seguida da violência psicológica, física e do abuso sexual.

Essas informações, conforme a secretária de Estado do Desenvolvimento Humano, Aparecida Ramos, têm contribuído para o enfrentamento à violação dos direitos das crianças e adolescentes na Paraíba. “Esse instrumento tem colaborado muito com o nosso trabalho, através dele nós acionamos a rede e agimos de forma rápida, conjunta e direta na problemática”, avaliou. Segundo ela, qualquer pessoa pode ligar, de forma anônima, e a denúncia será ouvida. “O Disque 123, inclusive é mais ágil do que o Disque 100, do Governo Federal. O de Brasília ainda processa os dados para enviar aos estados e isso consome um tempo que pode ser precioso”, frisou.

Conforme Aparecida Ramos, além do Disque 123, a Sedh tem outros programas, projetos e serviços para atender a situações de violência contra crianças e adolescentes. “Com essa rede, somos referência no processo de criação dos planos em defesa dos direitos humanos”, afirmou. O Estado foi o primeiro do país a contar com um serviço do tipo, que tem os mesmos moldes do Disque 100, do Governo Federal. Coordenado pela Sedh, o Disque 123 registra, encaminha e monitora denúncias que envolvam violação de direitos, oferecendo um instrumento de condução, orientação e cobrança dessas garantias. As denúncias registradas também são encaminhadas ao Ministério Público.

Crianças e Adolescentes: atendimento nos CREAS Regionais (janeiro a setembro de 2015)

Negligência: 478
Violência psicológica: 160
Abuso sexual: 150
Violência Física: 79
Abandono: 36
Exploração sexual: 22
Trabalho infantil: 9
TOTAL: 934

Denúncias ao Disque 123 (janeiro a setembro de 2015)
TOTAL: 226
RANKING

1º Negligência
2º Violência Psicológica
3º Violência Física
4º Abuso Sexual
5º Trabalho Infantil
6º Exploração Sexual
7º Exploração Financeira
8º Ameaça de Morte
9º Abandono
10º Cárcere Privado

FONTE: Secretaria Estadual do Desenvolvimento Humano