A colmeia dos Lacerda

Escritor Rodrigo Lacerda, neto de Carlos Lacerda, lança ‘A República das Abelhas’, romance histórico narrado em primeira pessoa.

Quando Carlos Lacerda (1914-1977) morreu, o neto Rodrigo tinha apenas 9 anos. Os gritos de "viva" que ouviu quando compareceu ao velório do avô, em um fim de tarde de sábado no Cemitério São João Batista (na zona sul do Rio de Janeiro), ainda ecoam na memória do hoje escritor, que acaba de lançar A República das Abelhas (Cia. das Letras, 520 páginas, R$ 49,90), romance histórico narrado em primeira pessoa pelo ‘fantasma’ do revolucionário.

"Foi muito impressionante para mim ver a multidão no cemitério. Não havia estrutura para receber tanta gente e em dado momento a multidão ameaçou fugir ao controle", conta o autor, em entrevista por telefone ao JORNAL DA PARAÍBA.

O episódio inspirou um conto publicado pela Folha de S. Paulo, em 2010, e o livro que é uma das principais publicações no ano do centenário de nascimento do jornalista e político que ficou conhecido como o ‘golpista derruba-presidentes’, pelo seu suposto papel no suicídio de Getúlio Vargas (1882-1954) e na renúncia de Jânio Quadros (1917-1992).

Segundo Rodrigo Lacerda, a decisão de escolher o protagonista morto como narrador do próprio passado foi motivada pelo parentesco dos dois. "Não tive dificuldades ao narrar em primeira pessoa, muito pelo contrário: o artifício me libertou de uma certa imparcialidade inatingível, considerando que ele era o meu avô." A técnica remete a Machado de Assis e ao célebre Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance ao qual a crítica tem se fiado ao comentar A República das Abelhas, título que faz referência ao "frenesi em volta da colmeia", metáfora que o romancista usa para descrever a cobiça dos vários grupos políticos brasileiros pelo poder na primeira metade do século 20.

Rodrigo Lacerda rejeita as remissões ao ‘bruxo do Cosme Velho’. "Machado de Assis não foi o primeiro nem será o último a fazer os mortos falarem", assinala. "Entendo que, no Brasil, Memórias Póstumas… seja tão marcante que torna a associação inevitável, mas confesso que não pensei nisso quando escrevi a partir do ponto de vista de Carlos Lacerda morto. Foi uma solução que eu encontrei para tentar reconstruir a voz dele da maneira que me interessava mais: não como ele era no auge da vida política, mas perto do fim da vida, quando ele tinha uma atitude mais reflexiva e uma visão mais compreensiva de tudo o que ele viveu."

JOÃO PESSOA

Um dos pontos altos da narrativa se encontra com a história da Paraíba e de outro personagem ilustre: João Pessoa (1878-1930), candidato à vice-presidência na chapa de Getúlio Vargas em 1930, ano em que foi assassinado. "João Pessoa havia sido candidato na chapa derrotada pelo candidato oficial, Júlio Prestes", explica o escritor, que também é tradutor e historiador formado pela Universidade de São Paulo (USP).

"Quando ele foi assassinado, o pai de Carlos, Maurício Lacerda, que era uma figura importante da Primeira República, foi ao Rio receber o corpo e fez um discurso altamente incendiário conclamando a aliança política para a revolução. Este discurso, que Carlos acompanhou, foi um dos grandes empurrões para a Revolução de 30."

Apesar do esmero factual com que Rodrigo Lacerda reconstitui os episódios biográficos em torno do clã dos Lacerda (passando pelo avô, tios-avós e bisavô, que também tinham expressão na política), o registro histórico não foi uma preocupação, em primeiro plano: "Bom, não é um livro científico, de História, tampouco é um livro de ciência política, embora a política seja um tema constante. A minha pesquisa foi caótica, como toda pesquisa para um romance tem que ser.

Não falseei os fatos, as balizas históricas estão lá. Mas o simples fato de ter um personagem dando a sua visão, que não é a única, já joga isso para o território da ficção", admite. "Eu acho que, aos poucos, aquele estereótipo do político hiper-reacionário e explosivo está dando lugar à imagem de um homem mais complexo para a história do Brasil."