Escritor do Cuiabá fala sobre a mortalidade da vida em novo livro

O autor intercala sua prosa com as Ilustrações ‘sequenciais’ do quadrinista do curitibano André Ducci.

Se colocada em uma caixa, a vida levaria aquela etiqueta de ‘cuidado, frágil’. É uma coleção cotidiana de fragmentos. São segmentos caóticos de ideias, pensamentos, momentos e outros fatores que se emaranham nas esquinas da vida. E, em um belo dia, essas ruas levam para lugar nenhum.

A mortalidade da vida é o epicentro do Guia de Ruas Sem Saída (Edith, 256 páginas, R$ 35,00), novo romance do cuiabano radicado em São Paulo Joca Reiners Terron. No livro, o autor intercala sua prosa com as Ilustrações ‘sequenciais’ do quadrinista do curitibano André Ducci. “As imagens do livro têm a mesma importância narrativa que os textos, não são meras ilustrações”, alerta o escritor em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA. “Arrisco dizer que parte fundamental do que é contado está somente nas imagens.”

As ruas do livro se dividem em duas vias paralelas: um homem desmemoriado, que vaga pela cidade vomitando chips e perdendo partes do corpo; e outro homem que viaja com a mulher e um casamento insatisfatório ao outro lado do mundo para uma cirurgia de transplante de órgão. Assim como os protagonistas, a narrativa da história se ‘quebra’.

“O desmantelamento do texto que segue ao dos personagens talvez se deva mais ao meu fracasso em fazer um livro todo certinho, que é o ideal. Esses resultados se desgovernam, e têm mais a ver com o cansaço em relação ao livro do que à minha vontade”, explica.

Como nas páginas de seu novo trabalho, o desmantelo aconteceu também na trajetória da ideia original dentro de sua cabeça e na vida ‘real’, há cinco anos, quando Terron ganhou uma bolsa de criação literária através da Petrobras. Batizado inicialmente como A Extinção da Infância, o prazo limite de entrega do livro entrava em uma rua sem saída no ano passado.

O escritor relata que precisou lutar por seis meses contra a burocracia do Ministério da Cultura (MinC) para mudar o título do próprio livro. “Difícil saber de onde veio a ideia depois de algum tempo.”

PUNK VELHO
O espírito da arte sequencial não está apenas nos desenhos de Ducci (que recentemente fez uma das ‘historietas’ da coletânea Fierro Brasil Vol. 2, da Zarabatana). O personagem sem memória que fica perdendo córnea, rim e pedaços de pele acredita ser um desenhista de história em quadrinhos que criou um super-herói de grande sucesso chamado de Homem-Escada. “Sempre li HQ nacional, desde os quadrinhos de terror dos anos 70 e 80. Sou fã de Flavio Colin, Julio Shimamoto, etc., e procuro acompanhar tudo o que é publicado, inclusive marginalmente.”

Considerando-se um “punk velho” com o lema “do it yourself”, Joca Reiners Terron acredita que atualmente é mais fácil o escritor ou quadrinista lançar seu trabalho, mesmo com o leque de possibilidades – com qualidade ou não – que o público se depara nas estantes das livrarias. “Antigamente se reclamava que havia coisa de menos. Melhor ter de mais, assim o leitor se obriga ao esforço de separar o joio do trigo.”

Para Terron, a literatura contemporânea mapeada por traços experimentais de nomes como Mário Bortolotto, J.P. Cuenca, Lourenço Mutarelli, entre muitos outros, está em ascensão. “A literatura brasileira, desde os anos 90, é a expressão cultural mais dinâmica e importante do país, superando a música, o cinema e o teatro. Resta o leitor perceber isso. Vivemos um bom momento criativo de leste a oeste, de sul a norte – incluindo o Nordeste”, ressalta.