Gal, eletrônica e acústica

40 anos após o lançamento de ‘Fa-Tal – Gal a Todo Vapor’, cantora volta ao Teatro Tereza Raquel, para mostrar o repertório de ‘Recanto’.

Quatro décadas após o show ‘Fatal’, Gal Costa voltou ao teatro Tereza Raquel (hoje, Teatro Net Rio), no Rio de Janeiro, para mostrar o repertório de Recanto (2011), disco que lançaria exatos 40 anos depois do LP Fa-Tal – Gal a Todo Vapor (1971), registro duplo da turnê dirigida por Waly Salomão.

Tal qual aquele show, a nova turnê da cantora baiana (que chegou até Recife, mas permanece inédita na Paraíba) é repleta de efeitos, barulhos, experimentalismo. No palco, Gal refaz, também a todo vapor, um repertório audacioso, desta vez sob a direção geral de Caetano Veloso e musical do afilhado, Moreno Veloso, filho do cantor.

Não é de hoje que Caetano faz de Gal sua voz feminina. Em Recanto, ele compõe todas as onze faixas do CD e assina a produção com Moreno, conhecido pela sua aproximação experimental com os músicos Kassin e Domenico Lancellotti (juntos fizeram a série +2).

A associação de Caetano, Moreno e Gal resultou em uma espécie de disco “transamba”, antenado com a recente trilogia Cê. É um disco eletrônico extraordinário, endeusado pela crítica, mas nem tanto pelo público mais conservador, que certamente estranhou os efeitos de um disco que só funciona para quem ouvi-lo em um bom equipamento de áudio, ou em um bom headphone.

Recanto ao Vivo (Universal Music, a partir de R$ 39,00), que sai agora em CD duplo e DVD (o blu-ray só chega mais tarde), tenta equilibrar a estranheza eletrônica de Recanto com o formato consolidado, tradicional e acústico de alguns dos grandes sucessos da carreira de Gal, como ‘Folhetim’ (Chico Buarque), ‘Baby’ (Caetano Veloso), ‘Barato total’ (Gilberto Gil) e ‘Modinha para Gabriela’ (Dorival Caymmi).

Aos 67 anos, Gal, elegantemente trabalhada no preto e em cenário sóbrio, exibe um desempenho formidável. As músicas de recanto crescem sob a execução enxuta do trio que acompanha a cantora – o citado Domenico (bateria/efeitos), Bruno Di Lullo (baixo/violão) e Pedro Baby (guitarra/vocal), cujo pai, Pepeu Gomes, foi quem substituiu o guitarrista Lanny Gordin no show ‘Fatal’.

Essa relação afetiva com o passado rende, até, um momento de pura emoção, que se a edição de Dora Jobim e Gabriela Gastal deixa escapar no show, está registrado integralmente nos extras do DVD: ao reinterpretar (magnificamente, sob roupagem eletrônica) ‘Vapor barato’ (Jards Macalé/Waly Salomão), Gal Costa chora ao dar a deixa para o solo de Pedro Baby.

Gravado nos dias 8 e 9 de outubro no ano passado, o repertório de 23 músicas se mantém integral tanto no DVD, quanto no CD. A maior parte das canções é de Caetano. Além das faixas do CD que dá o nome à turnê (‘Recanto escuro’, ‘Cara do mundo’, ‘Neguinho’, ‘Miami Maculelê’ entre elas), ela canta ‘Divino Maravilhoso’ (parceria com Gil), ‘Força estranha’, ‘Minha vida, minha voz’ e ‘Da maior importância’, que, a voz e violão, focando somente no rosto de Gal, abre o espetáculo.

Ora hipnótica, ora esfuziante, Gal Costa ganha seu público em show elegante, cool, moderno, com imersões em “transfunks” delirantes (‘Miami maculelê’), mas também na releitura sóbria de sua carreira. Um show para todos os seus fãs verem, ouvirem, reverem e ouvirem sempre.