Gastronomia: ‘O pão com ovo de mainha’ e memórias que só a comida é capaz de evocar

‘ Uma lembrança dessas representa um recorte, emoldurado pelo afeto’.

Gastronomia: 'O pão com ovo de mainha' e memórias que só a comida é capaz de evocar

Todo mundo tem uma lembrança boa. Um solzinho que passava pela janela e chegava ao rosto às 7h da manhã, seguido por um cafuné, um colo, um café, um pão assado com ovo e manteiga. Na minha casa, era um tal de pão assado com ovo “estalado” – estrelado, aprendi. No café da manhã, era Tita – Rosita, minha babá até hoje – quem servia minha mãe com o “povo” (pão com ovo) e o café com leite numa xícara de vidro rosa transparente.

Ainda que tudo estivesse posto sobre a mesa, com os pães ainda quentes numa espécie de panelinha de inox, eu me lembro de olhar de baixo para cima para o pão de mainha e achar que, de alguma forma, o dela era melhor do que o meu. Eu lembro de ouvir o crocante, quando ela mordia, passava a manteiga sobre o côncavo da mordida, e mordia de novo. Um alvoroço sem motivo, já que, quando eu pedia, ela dava e eu desfrutava bem de-va-gar-zi-nho.

Sabe, essa memória é um borrão, tem coisa de alguns segundos, bem iluminados. O bom de uma lembrança dessas é que representa um recorte, emoldurado pelo afeto e moldado pelo desejo de espiar o passado para entender o presente. Uma busca por pertencimento, dizem.

É… Comida é assim mesmo. Identifica, transporta o passado e seus aromas, seu afago. Promove uma relação invisível que adormece com o tempo e a gente quase esquece, mas que não se desmancha quando morde, quando cheira, quando lembra, quando a gente quase revive, deseja. Todo mundo tem uma comida “clássica” dentro de casa.

Tem um bombocado, um salpicão, um arroz doce ou salgado, um rubacão… Um punhado de identidade, que reforça os laços de cultura, de família, de cuidado e, claro, de saudade.

* Maria Lívia Cunha é jornalista, bancária, empresária, pós-graduada em Administração e graduada em Gastronomia e compartilha suas experiências na cozinha nas sextas-feiras de janeiro no Jornal da Paraíba