O que é que Caymmi tem?

Dono de uma voz grave e serena, Dorival Caymmi, influenciou com pouco mais de 100 canções a MPB, do samba à bossa nova.

Jorge Amado ainda usava fraldas quando Salvador, há exatos 100 anos, via nascer outro baiano ilustre: Dorival Caymmi.

Embora o primeiro se dedicasse às letras, e o segundo, à música, os dois tinham algo em comum: a paixão pelo berço soteropolitano, pelo mar e pelas raízes africanas da Bahia, e viriam a se encontrar em uma das pouquíssimas parcerias que Caymmi admitiria ao longo de 94 anos de vida: ‘É doce morrer no mar’.

Cantor de voz grave e serena, bela por natureza, Dorival Caymmi (1914-2008) seria mais que um grande intérprete: compositor sofisticado e com idéias progressistas, influenciaria a Música Popular Brasileira, do samba à bossa nova, com pouco mais de 100 canções, cantadas e decantadas pela nata da MPB desde que o músico surgiu em disco, no final dos anos 1930, ao lado de Carmem Miranda.

“Caymmi criou um estilo único como o das canções praieiras, é o introdutor da cultura afro-baiana na canção brasileira e um dos grandes autores do samba-canção, que iria desaguar na bossa nova”, ensina o crítico de música do jornal O Globo, Antônio Carlos Miguel, em depoimento ao JP. “Como intérprete, também desenvolveu uma simbiose entre voz e violão fundamental para o desenvolvimento da música popular brasileira”, acrescenta.

“Se fosse só aquele disco de dez polegadas com oito canções, lançado em 1954, já seria tudo”, sintetiza o jornalista Sílvio Osias, referindo-se ao célebre disco Canções Praieiras (1954). “Voz e violão. Um gênero, uma invenção. Arte maior que coloca seu autor no topo. Mas há muito mais. Os sambas, o artesanato perfeito, casamento indissolúvel entre melodia, harmonia e letra a formar imagens extraordinariamente belas”.

Ao exclamar “Caymmi, mínimo e máximo”, Sílvio lembra a obra numericamente pequena de Dorival. “Compôs pouco mais de cem músicas. Se pensarmos em qualidade, e em influência, imensa! Caymmi centenário. Hora de reouvi-lo”, acrescenta o jornalista paraibano.

A carreira discográfica de Dorival Caymmi se resume, basicamente, a aproximadamente uma dúzia de discos – condensados na caixa Caymmi Amor e Mar (Universal Music), ainda em catálogo -, uma obra pequena e notável.

Sérgio Martins, crítico de música da revista Veja, se diz admirado pela capacidade de Dorival Caymmi sintetizar tão bem a obra dele em pouquíssimos lançamentos. “Você tem, nesse punhado de músicas, uma obra de tanta qualidade musical, e de tanta influência, que você não observa em muitos artistas prolixos da Música Popular Brasileira”, comenta o jornalista paulista. “É incrível como uma pessoa consegue, nesse período de tempo, e depois até, fazer uma obra tão sintética e tão influente em pouquíssimos discos”, acrescenta, para arrematar: “Preguiçoso nada, ele era seletivo!”, brinca, a respeito da fama malemolente dos baianos.

Para o crítico de música carioca Mauro Ferreira, autor do blog Notas Musicais, essa obra tão nobre e influente foi cultivada com o rigor de um ourives. “Nada sobra, nada falta. É tudo feito com perfeição, mas ao mesmo tempo, é de uma simplicidade! Essa é a originalidade do Caymmi: fazer o simples com uma sofisticação que não parece sofisticado. A música de Caymmi é do povo, não tem essa coisa hermética. Tudo que foi lançado fez muito sucesso, caiu nas graças do público”, comenta.

Ferreira ainda enxerga alguns seguidores da obra do mestre baiano. “Ao contrário do que pensa a (cantora) Joyce, ele (Caymmi) tem seguidores, e o baiano Roque Ferreira é um deles. Mas o que ele criou ali, aquela Bahia mítica, é só dele, de Dorival Caymmi”, pondera.