Para (re)descobrir Sérgio Ricardo

Reeditados pelo selo Discobertas, cinco álbuns iniciais do músico paulista Sérgio Ricardo chega às lojas no Box ‘Bossa Romântica & Trilhas’.

Quando Sérgio Ricardo recebeu das mãos do pesquisador e garimpador fonográfico Marcelo Fróes as reedições de cinco de seus discos em CD, exclamou: “Só um lunático poderia pensar em reeditar esses discos”.

Via Discobertas, selo de Marcelo, chega às lojas o box Bossa Romântica & Trilhas, caixa que reúne Dançante nº 1 (1959), A Bossa Romântica (1960) e Depois do Amor (1961), além das trilhas sonoras de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e Esse Mundo é Meu (1964).

O "lunático" Marcelo Fróes talvez não seja assim tão lunático. Presta, sim, um grande serviço à discografia brasileira ao reeditar, em CD, os cinco – e raros – álbuns iniciais de um dos maiores artistas musicais da MPB, ainda no embalo de seus 80 anos, completados em 2012.

“Ele (Sérgio Ricardo) é muito respeitado e cultuado. É um dos medalhões”, afirma Fróes à reportagem, por e-mail. “Talvez o mercado é que não lhe tenha sido justo”.

Marcelo Fróes tenta reparar isso. Dos 16 títulos da discografia do músico paulista nascido em Marília, o Discobertas lançou um total de dez: cinco avulsos no ano passado – Piri, Fred, Cássio Franklin e Paulinho de Camafeu com Sérgio Ricardo (1973), Arrebentação (1971), A Noite do Espantalho (1974), Do Lago à Cachoeira (1979) e Estória de João-Joana (1985) – e agora mais cinco, encaixotados.

“A mídia recebeu muito bem e o público também”, comenta o autor das reedições, referindo-se aos lançamentos de 2012. “Naturalmente que a escassez das lojas de discos atrapalha um pouco. Quem quer, sabe onde achar, então a gente se preocupa em noticiar o lançamento para que os interessados corram atrás”.

Fróes lembra que ainda restam dois LPs de Sérgio Ricardo, inéditos em CD: A Grande Música de Sérgio Ricardo (que tem capa assinada por Ziraldo), lançado pela Philips em 1967, e o homônimo Sérgio Ricardo, lançado pela RCA em 1975, mas desconversa sobre a possibilidade de lançá-los: “Não tenho nada planejado, por enquanto”.

VIOLÃO QUEBRADO

Injustamente, Sérgio Ricardo é bastante lembrado pelo Festival da Record de 1967 quando, sob vaias, quebrou o violão e o jogou na platéia. "Eu falo o nome dele, e alguém fala isso, eu rebato com a maior grosseria. Me irrita muito essa coisa de marcar o Sérgio Ricardo porquê jogou o violão na plateia", comenta o jornalista Sérgio Cabral, jurado daquele festival, nos extras do filme Uma Noite em 67.

E Cabral tem razão: João Lutfi – nome verdadeiro de Sérgio Ricardo – é muito mais do que isso. Músico com formação clássica ao piano e, como diria Ruy Castro no livro Chega de Saudade, “perfil de galã de teleteatro – o que ele havia sido em São Paulo”, ele foi um bossanovista de primeira hora, compôs trilhas sonoras e musicais com uma versatilidade impressionante, além de ter feito filmes e se dedicado às artes plásticas.

“Além de ótimo cantor e compositor, Sérgio Ricardo é um músico com M. Recentemente, assisti a um antigo programa seu na série MPB Especial, gravado pela TV Cultura nos anos 70, e ele dá um banho de virtuosismo no violão, no piano etc.”, comenta Fróes.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, onde sua carreira tomou impulso, o paulista herdou um banquinho ilustre na boate do Posto 5, o de Tom Jobim (1927-1994). “As longas madrugadas tocando música americana o levaram a compor de maneira moderna e, já gravando na RGE, ele viu uma de suas canções, ‘Buquê da Isabel’, fazer piscar os olhos da estrela da gravadora: Maysa”, registra Ruy Castro.

A música – presente em Não Gosto Mais de Mim – fora lançada dois anos antes, em 1958, por Maysa, e levou Sérgio Ricardo à nascente do movimento da Bossa Nova, “embora, como cantor, (ele) estivesse mais na linha romântico-parnasiana de Francisco Petrônio”, lembra Ruy, no livro.

Além de ótimas remasterizações, Dançante Nº 1 e Não Gosto Mais de Mim trazem faixas bônus. Raríssimo, o instrumental Dançante Nº 1 vem com seis faixas extras, pinçadas de compactos. Além do mais, o repertório foi remasterizado a partir das fitas originais.

“Há mais de 10 anos eu havia feito um trabalho nas velhas fitas ainda existentes da Todamérica (gravadora que lançou esse primeiro trabalho). Este tape foi um dos que digitalizei na época, então foi só editar e mandar pra masterização. As fitas antigonas, dos anos 50 e 60, sempre rodam melhor que as dos anos 70 e 80”, comenta Fróes.

Fora isso, Deus e o Diabo… e Esse Mundo é Meu ganham, enfim, edições em CD com seus encartes originais – o a trilha do filme de Glauber Rocha (1939-1981) já havia sido disponibilizada nos extras da edição dupla em DVD, lançada pela Versátil, mas com a nova remasterização, o disco soa muito melhor.