O Brasil está feio, sim, senhor. Quem não enxerga, provavelmente é um bolsonarista fanático

Você já passou fome? Eu nunca passei, apesar de vir de uma família muito modesta. Mas vi a fome de perto. Nos mendigos que todos os dias passavam em nossa casa, na minha infância, na minha juventude. Guil, Lobinho – esses praticamente moravam nas redondezas. Somente à noite voltavam para casa. Se é que tinham casa.

Rosário mendigava na igreja do bairro. Pedia dinheiro durante a missa, de banco em banco. Era de cortar coração. Minha mãe, que não era cristã de fachada, muitas vezes levou Rosário para jantar conosco. Meu pai se despia da sua erudição, e os dois conversavam animadamente.

Um dia, Rosário chegou para jantar, e meu pai disse que Martin Luther King tinha sido assassinado. Ela perguntou quem era Martin Luther King e, depois de ouvir a explicação, comentou: “Com tanta gente ruim precisando morrer, vão e matam um homem bom como esse”.

Em outro dia, pediu dinheiro para o ônibus da volta para casa. Não era verdade. Era para ver Branca de Neve e Os Sete Anões no Cine Bela Vista. Confessou no jantar seguinte. Estava deslumbrada com a animação pioneira da Disney. Cada um a seu modo, ficamos comovidos com a sua ida ao cinema. Lembranças. Lembranças.

Dias atrás, escrevi que o Brasil está feio. Um leitor contestou. E Cuba? E a Venezuela? E a Argentina? – coisas assim. Não sei se passou fome, não sei se já foi pobre, não sei se é abastado. Não sei. Mas o comentário dele me remeteu imediatamente aos números da fome no Brasil e à relação que pode ser feita entre feiura e fome.

A fome sempre existiu, dirão. Verdade. Mas também são sempre louváveis e necessários os esforços para enfrentá-la. Esses esforços cabem aos governos, cabem à iniciativa privada, cabem a tanta gente. Quando foi presidente, Lula enfrentou o problema e obteve resultados. Não é preciso gostar dele para reconhecer.

No Brasil de 2022, sob Bolsonaro, 33 milhões de pessoas estão passando fome (Foto/Reprodução). 125 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar. Esses números são mais do que suficientes para que a gente afirme que o Brasil está feio. Ou é bonito um país em que tantos dos seus filhos e filhas não têm o que comer?

O bolsonarismo é uma patologia grave. Quem não enxerga o quanto o Brasil está feio, pode ter certeza de uma coisa: está doente.