Caetano e Chico Juntos e ao Vivo, álbum histórico completa 50 anos

Sexta-feira, 10 de novembro de 1972. O poeta tropicalista Torquato Neto se matou em seu apartamento, no Rio de Janeiro. No dia anterior, completara 28 anos. Em Salvador, no Teatro Castro Alves, era a primeira das duas noites em que Caetano Veloso e Chico Buarque se apresentaram juntos – um encontro improvável para os fãs que consideravam os dois artistas “rivais” desde quando, cinco anos antes, foram projetados nacionalmente pelos festivais televisivos de música popular brasileira.

Logo depois, antes que o ano de 1972 terminasse, o LP Caetano e Chico Juntos e ao Vivo chegava às lojas com o registro parcial – e tecnicamente muito imperfeito – de um show histórico. O repertório incompleto, a má qualidade do áudio, o ruído excessivo da plateia, as intervenções da Censura, nada comprometia o significado do disco. Agora cinquentenário, o álbum que trazia Caetano Veloso e Chico Buarque juntos era impactante e irresistível pela força do encontro e pela beleza das canções ali reunidas. Já nascia pronto para ser um dos grandes discos da MPB.

Caetano e Chico Juntos e ao Vivo, álbum histórico completa 50 anos

Últimos dias de 1972 ou primeiros dias de 1973. Você sabe o que era entrar numa loja de discos e ver nos expositores aquele LP de capa preta, letras brancas e uma foto colorida um pouco desfocada? Caetano e Chico Juntos e ao Vivo, dizia o título. “Gravado no Teatro Castro Alves, Salvador, Bahia”, estava escrito à mão sob a fotografia dos dois artistas. Caetano vinha de Transa, álbum que lançou após a volta do exílio em Londres, enquanto Chico dividira, com Maria Bethânia e Nara Leão, o disco com a trilha do filme Quando o Carnaval Chegar.

O disco começa com dois petardos buarqueanos – Bom Conselho e Partido Alto. Chico cantando na primeira faixa, Caetano na segunda. A letra de Bom Conselho inverte a sabedoria popular. O registro original, com voz, violão e um ataque de cordas, é de Bethânia e está na trilha de Quando o Carnaval Chegar. Também é do filme de Cacá Diegues a primeira gravação de Partido Alto, com o MPB4. A letra sofreu cortes da Censura, e, ao vivo, Caetano dá o recado necessário: o silêncio para não cantar “batuqueiro” no lugar de “brasileiro”.

Caetano domina o lado A do disco. Depois de Partido Alto, segue com uma versão pesada de Tropicália, que evoca o Tropicalismo de apenas quatro anos antes. Depois, voz e violão, faz Morena dos Olhos D’Água e A Rita, ambas de Chico, e Esse Cara, que compôs para Bethânia cantar no álbum Drama. Esse Cara dialoga com a faixa seguinte, Atrás da Porta, da parceria de Chico com Francis Hime. Obediente à Censura, a gravadora colocou aplausos falsos para dificultar a compreensão de trechos da letra de Atrás da Porta.

O dueto que abre o lado B se tornou antológico. Caetano Veloso faz a sua Você Não Entende Nada, composta no exílio. Chico Buarque responde com Cotidiano, que lançara no ano anterior. A música de Chico vem na sequência da de Caetano. As melodias dialogam. As letras e as vozes, também. Caetano parece puxar a voz de Chico para os agudos. Há o “eu como você”, que arranca palmas e risos da plateia. Nunca mais a gente ouviu Você Não Entende Nada sem lembrar de Cotidiano: “Todo dia, todo dia…”/Eu quero que você venha comigo”.

Caetano queria que Chico cantasse Com Açúcar, Com Afeto. Naquele tempo, não haveria cancelamento. Chico disse que tinha algo melhor: uma letra que reproduzia um diálogo entre duas lésbicas. Caetano e Chico são, então, as duas lésbicas em Bárbara. Os aplausos falsos revelam novamente a ação da Censura. Ana de Amsterdam (Chico sozinho ao violão) e Bárbara são da parceria com Ruy Guerra na peça Calabar. Em 1973, o disco com as músicas de Calabar, a partir da capa, seria fortemente mutilado pelos censores da ditadura militar.

Duas músicas de Caetano encerram o disco. Com Chico, Janelas Abertas No 2, em andamento de tango. Com Caetano, o fado Os Argonautas. Nesta, há as vozes marcantes do MPB4, e o “viver não é preciso” a fechar o álbum. Reouvido agora, Caetano e Chico Juntos e ao Vivo traz para os contemporâneos a forte lembrança da música brasileira e do Brasil de 50 anos atrás. E soa como um perene conjunto de canções que atravessaram cinco décadas e se reapresentam sempre com notável resistência à ação do tempo.