Caetano Veloso é um gigante da música popular brasileira e uma das grandes belezas do Brasil

Ao ver Meu Coco, lembrei de Caetano Veloso (Foto/Reprodução) falando sobre Moacir Santos e Letieres Leite, que a Covid levou. Moacir, Letieres – essas pessoas que fazem a gente crer no Brasil. É difícil pensar assim num momento muito duro da vida nacional, mas é tão necessário quanto verdadeiro. Caetano visto de perto, ali no palco do Teatro Guararapes, também faz a gente crer no Brasil. Aqui, porém, não vou resenhar o show que passa neste domingo (23) por João Pessoa, no Teatro Pedra do Reino.

Enquanto escrevo, fico sabendo da morte de Luiz Galvão. Galvão, o poeta dos Novos Baianos. O cara que fez aquelas letras todas, com melodias de Moraes Moreira, que a gente canta há 50 anos. Os Novos Baianos do início da década de 1970, do Acabou Chorare, do Futebol Clube, do rock, dos ritmos do Nordeste e – sobretudo – da lição que João Gilberto transmitiu presencialmente a eles. Os tais Novos Baianos que passearam na garoa e curtiram São Paulo numa boa, como canta Caetano na letra inspiradíssima de Sampa.

Na estrada, a caminho do Recife, falei sobre o amor e a profunda admiração de Caetano Veloso por Miguel Arraes e sua irmã Violeta. Na plateia do Teatro Guararapes, conversei rapidamente com Lula, um dos filhos de Arraes. Lula, que vi tantas vezes no backstage dos shows de Caetano. Quando Arraes morreu, Caetano foi ao Recife velar o grande político pernambucano e ficar um pouco com seus familiares – um gesto de solidariedade e amizade bem guardado na memória de Lula. Na minha também.

Caetano todo de branco no palco do Teatro Guararapes no show Meu Coco. Lembrei de Caetano todo de branco no palco do Teatro Guararapes no show Velô. Outubro de 2022 e dezembro de 1984. Um separado do outro por 38 anos. Velô foi minha primeira vez no Guararapes. Em Velô, o artista falava sobre Miguel Arraes. O passado, no governo de Pernambuco e depois no exílio. O presente, no Brasil que via a ditadura em seus estertores. O futuro, na candidatura ao governo pernambucano em 1986, que Caetano defendia enfaticamente.

Em 1984, quando pedia voto para Miguel Arraes, Caetano tinha 42 anos, eu tinha 25. Em 2022, tem 80, eu tenho 63. O artista que vejo abrir o show com Avarandado, lá de 1967, de um pouco antes do Tropicalismo, agora, em suas novas canções, fala de um outro mundo e, principalmente, de um Brasil mergulhado num impasse mais assustador do que outros que já testemunhamos. O Caetano de 2022, sai do lugar que ocupa no centro do palco, se aproxima da plateia e, sem a necessidade de citar nomes, clama: “Pelo amor de Deus, nós não vamos deixar!”.

Caetano Veloso está do lado certo. A plateia, que entoa um sonoríssimo “Lula lá” e levanta as mãos em “L”, está do lado certo nesse instante tão grave da vida brasileira. Pena que mais de 50 milhões estejam do lado errado. São aqueles que, com maior ou menor consciência, votaram num candidato que banalizou o mal, a mentira e a perversidade e ameaça a democracia. São aqueles cujo candidato tem como aliado um ex-deputado que, sem qualquer cerimônia, chama de “prostituta arrombada” uma ministra do Supremo Tribunal Federal.

Meu Coco me alegra porque novamente põe Caetano Veloso na minha cara. Caetano, esse artista extraordinário, gigante, de papel tão enormemente importante na minha formação de ouvinte da canção popular do Brasil e do mundo. Também me traz uma certa melancolia por causa do tom autobiográfico e retrospectivo que há no repertório e nas falas do artista sobre suas bandas. Caetano fala do passado dele e remete a gente ao nosso passado. Inevitável a lembrança do tropicalista Jomard Muniz de Britto, que hoje, aos 85 anos, está vivo, mas distante do mundo.

Meu Coco traz duas canções da década de 1960, 10 da de 1970 e segue pelos anos 1980 e 1990. Num total de 25, sete são do álbum novo, lançado em 2021. Mas tudo é apresentado sob um olhar de inquestionável e impressionante contemporaneidade. Caetano sempre foi (e assim permanece) um artista contemporâneo de qualquer tempo do seu tempo. A síntese de muito do que vemos ao longo dos 100 minutos do show pode estar (e Caetano, de certo modo, diz isso) no arranjo poderosíssimo de A Bossa Nova É Foda.

Em Livro Vivo, de 1998, os percussionistas ocupavam o lado esquerdo do palco. No lado direito, ficava o naipe de metais. Em Meu Coco, à esquerda, estão as guitarras, teclados e baixo. À direita, percussão e bateria. Tudo é impactante demais: a performance de Caetano, a sua voz, os arranjos, o alto nível da banda. E, claro, todas essas canções. Baby, ou You Don’t Know Me, ou Muito Romântico, ou Trilhos Urbanos, ou Reconvexo, ou Itapuã, ou as mais novas. Elas nos são ofertadas por um artista que está entre as grandes belezas do Brasil.