Com Stevie Wonder, Blowin’ in the Wind, de Dylan, é outra canção

Blowin’ in the Wind é um clássico da canção de protesto. Em 1963, quando Bob Dylan a gravou no álbum The Freewheelin, ela tinha uma força extraordinária. Atravessou o tempo e hoje evoca uma época. Seria ingenuidade continuar acreditando no poder transformador dos seus versos, mas eles não perderam a beleza nem a força poética. Até se tornaram mais bonitos porque agora remetem ao momento histórico em que foram escritos. É uma canção simples com acordes naturais que qualquer aprendiz conhece. A gravação, de curtíssima duração, tem apenas a voz nasal do autor, seu violão rústico e sua gaita de boca.

Stevie Wonder era um adolescente quando gravou Blowin’ in the Wind, em meados da década de 1960. A voz ainda estava em formação. Não era mais infantil, como quando começou a carreira, mas não tinha atingido os timbres do cantor adulto que o mundo inteiro conheceu mais tarde. Sua versão da canção de Dylan tira dela o sotaque folk e lhe acrescenta alguns adornos. Ela fica menos crua, menos dura. Tem a sonoridade da Motown, vira soul music. O original parece um rascunho que foi aperfeiçoado. Wonder pegou Dylan e o submeteu a uma espécie de caderno de caligrafia. Deu mais forma à canção. E a preparou para o futuro.

Em 1992, Bob Dylan comemorava três décadas de carreira. 30 anos tinham se passado desde que lançara o primeiro álbum na Columbia. Um show em Nova York marcava a data. Dylan e seus amigos subiram ao palco do Madison Square Garden. E lá estava Stevie Wonder para cantar Blowin’ in the Wind. O ponto de partida não seria mais o original do autor, mas o registro que Wonder produzira na adolescência. Este serviria de base, ofereceria os parâmetros para uma nova releitura. Melhor, mais forte, mais bonita, mais emocionada. Uma performance que trazia a música para o presente e comentava a sua trajetória ao longo de três décadas, desde o seu lançamento.

Antes de cantar, Stevie Wonder fala. Sua fala soa como se fosse música. Os instrumentos o acompanham. O tema é a relevância daquela canção e a relação que pode ser estabelecida entre ela e os movimentos sociais e políticos das décadas que percorreu. Há algo de ingênuo no discurso, mas é comovente. Wonder fala como um pastor num púlpito, pregando ao som de uma banda gospel numa igreja da América. A pregação vai ficando mais alta, os fiéis gritam lá atrás, os instrumentos vão subindo. Até que tudo se transforma em música mesmo: “How many roads”. É Blowin’ in the Wind, a velha canção de protesto do jovem Dylan.

A melodia lembra o original, mas foi reescrita. Está cheia de variações, de improvisações, de inflexões que ninguém imaginaria ao ouvi-la no registro inaugural do autor. A letra é a mesma, mas as palavras parecem ganhar novos significados. Wonder passeia com elas pelos timbres da sua bela voz, dos graves aos agudos. Dialoga com o vocalista da banda, conversa com a plateia. Faz perguntas e ouve respostas. A canção cresce na medida em que é reinterpretada. O original está guardado em nossa memória. A versão de Stevie Wonder o recupera, trazendo-o de longe, daquele disco de 1963. Provoca um novo impacto. Não há como descrevê-lo. Só ouvindo.