Duvidar que Chico Buarque fez Roda Viva é ignorância, estupidez

Chico Buarque foi à Justiça contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro, alegando uso não autorizado de Roda Viva. O compositor não obteve êxito porque a juíza responsável pelo caso questionou a ausência de comprovação da autoria da música. Sendo mais claro: Chico precisava ter comprovado que Roda Viva é dele.

Em 1967, eu tinha oito anos e vi, pela televisão, quando Chico Buarque conquistou o terceiro lugar no III Festival da Música Popular Brasileira com a sua Roda Viva. Edu Lobo venceu o festival com Ponteio. Gilberto Gil ficou em segundo lugar com Domingo no Parque. Caetano Veloso, em quarto, com Alegria, Alegria.

Foi um dos pontos altos da chamada era dos festivais. Ali, começava a conquistar dimensão nacional uma geração de extraordinários compositores populares do Brasil. Essa história é contada em detalhes no documentário Uma Noite em 67, lançado nos cinemas em 2010 e disponível em streaming e em DVD.

Roda Viva também deu título à peça de Chico Buarque que, em 1968, montada em São Paulo por Zé Celso, foi alvo de violenta ação de um grupo de extrema-direita. O grupo invadiu o teatro e espancou o elenco da peça, triste episódio que entrou para a história da dramaturgia brasileira.

Roda Viva, a música, logo ingressou nas antologias da MPB. Chico Buarque não costuma cantá-la ao vivo, mas ela é sempre lembrada entre as grandes músicas que compôs. No festival e na gravação original em estúdio, Chico dividia a interpretação com o MPB4. O arranjo era assinado pelo Magro, integrante do quarteto vocal.

Em tempos mais recentes, Roda Viva foi o nome dado, pela TV Cultura, àquele que se transformaria num dos melhores programas de entrevistas da televisão brasileira. A música de Chico, em versão instrumental, era tema do programa, uso depois desautorizado pelo compositor por causa de questões ideológicas.

Nunca pensei que alguém questionaria a autoria de Roda Viva. Jamais imaginei que, um dia, Chico Buarque precisasse atestar que Roda Viva é dele. Em 1967, Chico tinha 23 anos – agora tem 78 – quando compôs a música. Se alguém duvida, há vídeos, discos, livros – há muita coisa que comprova a autoria.

“Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou morreu…”. Em 1967, o Brasil ouviu e cantou a música de Chico Buarque. Em 2022, 55 anos depois, uma juíza questiona sua autoria. Muita gente não gosta quando o bolsonarismo é associado à ignorância e à estupidez. Mas é isso mesmo. A associação é inevitável.