Elomar seria um idiota que perdeu a modéstia ao chamar novo coronavírus de vírus comunista?

Elomar seria um idiota que perdeu a modéstia ao chamar novo coronavírus de vírus comunista?

A pergunta que está no título não será respondida por mim.

Foi Nelson Rodrigues que disse, há mais de 50 anos, que os idiotas perderam a modéstia.

Faz tempo que Elomar, esse músico incrível, é defensor das piores ideias, as mais atrasadas, as mais obscuras.

Agora, em meio à pandemia, ele chamou o novo coronavírus de vírus comunista.

Muitos dos seus admiradores ainda se surpreendem, ficam decepcionados, mas o comentário é perfeitamente compatível com o pensamento de quem o fez.

Elomar chamou o novo coronavírus de vírus comunista? – alguns perguntam atordoados.

Sim! Este é Elomar!

Tanto diz asneiras quanto faz músicas belíssimas.

Vejam o que escrevi quando ele fez 80 anos:

Apois pro cantadô i violero

Só hái treis coisa nesse mundo vão

Amô, furria, viola, nunca dinhêro

Viola, furria, amô, dinhêro não

Esse foi o primeiro impacto.

O Violeiro, versos escritos assim mesmo, com essa grafia. Como se fosse um dialeto do Sertão da Bahia.

Aquela voz. Aquele violão. Diferentes de tudo o que ouvíamos.

Era a faixa de abertura do LP Das Barrancas do Rio Gavião, de 1973.

Elomar seria um idiota que perdeu a modéstia ao chamar novo coronavírus de vírus comunista?

Seis anos mais tarde, em 1979, veio o álbum duplo Na Quadrada das Águas Perdidas.

Não havia mais nenhuma estranheza provocada pelos sons daquele cara – criador de bodes em Vitória da Conquista, arquiteto graduado em Salvador, violonista de formação erudita.

Já havíamos assimilado a música dele. Tudo era beleza no seu universo musical e poético.

Elomar seria um idiota que perdeu a modéstia ao chamar novo coronavírus de vírus comunista?

Elomar Figueira Mello.

Ou, simplesmente, Elomar.

Homem de ideias atrasadas, um reacionário, como dizíamos no passado, mas autor de uma obra incrível.

A música de um Brasil profundo e desconhecido.

Elomar e seu violão. Elomar e alguns poucos músicos. Elomar e uma orquestra sinfônica.

Canções soltas reunidas num disco. Ou trabalhos conceituais (Fantasia Leiga para um Rio Seco) compostos por um artista talentosíssimo e muito original.

Elomar não faz televisão, raramente dá entrevista, não quer conversa com gravadoras.

Grava seus discos de forma independente e os vende caríssimos na porta dos teatros onde se apresenta.

Jamais usa a palavra show. Prefere concerto. Ou recital. Ou cantoria.

Quando vou vê-lo ao vivo, ou ouvi-lo em discos, esqueço todas as suas idiossincrasias.

E me entrego à extrema beleza da sua música.