Estive com a brasileira que gravou com os Beatles e não pude ouvir a sua história

Estive com a brasileira que gravou com os Beatles e não pude ouvir a sua história

Lizzie Bravo ao lado de John Lennon. 

Lizzie Bravo, brasileira nascida num subúrbio do Rio de Janeiro.

Na Ultimate Beatles Encyclopedia, organizada por Bill Harry, o nome dela é verbete na página 120:

Bravo, Lizzie

A Brazilian girl, Lizzie was sixteen years and a student living in Company Gardens.

E segue a história.

No Diário dos Beatles, de Barry Miles, temos no dia quatro de fevereiro de 1968:

Duas fãs que estavam em frente a Abbey Road foram levadas para dentro do estúdio para gravar os falsetes para a banda.

O quarteto gravava Across the Universe, canção de Lennon.

The Beatles Chronicle, de Mark Lewisohn, conta em detalhes como foi a gravação.

E lá surge novamente o nome de Lizzie Bravo:

Paul did just this, selecting Lizzie Bravo, a 16-years-old from Brazil, and Gayleen Pease, 17, a Londoner. 

Lizzie e Gayleen estavam na entrada do estúdio da EMI, onde os Beatles gravavam seus discos. Paul apareceu na porta e perguntou se elas sustentariam uma nota aguda. As garotas disseram que sim e foram levadas para o estúdio de número 03. Fizeram vocal em Across the Universe, num registro destinado a um disco beneficente. Lizzie cantou com o rosto colado em John, no mesmo microfone.

Ela era apaixonada por Lennon, mas ficou mais amiga de McCartney.

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Em agosto de 1979, eu já conhecia a história de Lizzie Bravo. Sabia que ela fora casada com Zé Rodrix e que fizera vocal em discos de grandes artistas brasileiros. Mas ainda não conhecia a versão de Across The Universe em que aparece a voz dela. O registro estaria disponível logo depois num vinil chamado Rarities e, mais tarde, na compilação Past Masters.

Em 1979, João Pessoa recebia pela segunda vez o Projeto Pixinguinha. Os shows eram no Cine Santo Antônio, a dois quarteirões da minha casa. Na segunda semana, vi Egberto Gismonti ao vivo pela primeira vez. Uma experiência inesquecível. Mais inesquecível ainda para a minha avó Stella, que, nos seus 80 anos, confessou que estava diante da maior experiência musical da sua vida.

No último dia, assim que o show terminou, subi no palco com minha avó e tentei conduzi-la ao camarim do grande músico brasileiro. Reconheci imediatamente quem estava na porta do camarim improvisado por trás da tela do cinema do nosso bairro. Era Lizzie Bravo.

Pedi que permitisse nossa entrada. Lizzie argumentou que não seria possível. Egberto não receberia ninguém naquela noite. Insisti, mais ou menos assim, surpreendendo-a por saber seu nome: “Lizzie, minha avó tem 80 anos, está aqui encantada com o que viu, não é possível que ela não consiga cumprimentar Egberto”. E ela nos levou até ele.

Vovó e Egberto Gismonti (fotografados por Gustavo Moura em 1983) se tornaram grandes amigos, e eu deixei de conversar, ao menos um pouco, com a única brasileira que gravou com os Beatles.

Stella e Gismonti

Conto essa história depois de ver uma live com Lizzie Bravo. Lizzie e sua experiência única com os Beatles.

Lizzie, que é uma das garotas de Apple Scruffs, a canção de George Harrison.

Lizzie, que é a “esperança de óculos” da letra de Casa no Campo, a canção de Zé Rodrix e Tavito imortalizada por Elis.

Estamos mesmo necessitados de esperança.

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Esta é a versão de Across The Universe com a voz de Lizzie Bravo.