No palco, Chico Buarque e Mônica Salmaso fazem a gente acreditar que o Brasil pode dar certo

Um dia desses, não faz muito tempo, ouvi de Caetano Veloso que há coisas e há pessoas que fazem a gente acreditar que o Brasil pode dar certo. Conversávamos sobre a gravação que Caetano fez de Nanã, sobre seu autor, Moacir Santos, sobre o maestro Letieres Leite, que a Covid levou. Lembrei muito dessa conversa nesta terça-feira (06), vendo Chico Buarque e Mônica Salmaso (Foto/Leo Aversa/Divulgação) no palco do Teatro Pedra do Reino, em João Pessoa, por onde começou Que Tal um Samba?, a nova turnê de Chico.

Quatro anos depois de Caravanas, Chico Buarque volta aos palcos, tendo Mônica Salmaso como convidada muito especial. O set list era guardado em segredo. Com a minha bola de cristal, fiquei pensando nas gravações em que Chico juntou sua voz a vozes femininas. Noite dos Mascarados (com Jane), Sem Fantasia (com Cristina, depois com Maria Bethânia), João e Maria (com Nara Leão), Maninha (com Miúcha), Biscate (com Gal Costa), Imagina (com a própria Mônica Salmaso).

Estão todas lá. Lindas. Comoventes. Arrebatadoras. Dos remotos anos 1960 – Sem Fantasia, Noite dos Mascarados – até os anos 2000 (Imagina). Sem Fantasia veio na primeira parte do show. A voz da mulher. A voz do homem. As duas vozes no final. Noite dos Mascarados ficou para o bis. Uma marchinha carnavalesca. As duas, fortemente evocativas de um tempo em que Chico, um jovem de vinte e poucos anos, surgiu para fazer parte do grupo dos nossos melhores compositores populares.

Maninha traz a lembrança de Miúcha, irmã de Chico que não está mais entre nós. Ela e ele gravaram num dos dois discos que Antônio Carlos Jobim fez com Miúcha. Na Paraíba, mais do que em qualquer outro lugar, João e Maria remete a Sivuca, que, em 1947, compôs a melodia dessa valsa que só ganharia a letra de Chico 30 anos mais tarde. Imagina, primeira música composta por Tom Jobim, não poderia ficar de fora. Afinal, foi com Mônica que Chico fez a gravação para o álbum Carioca, lançado em 2006.

Tom Jobim é lembrado em três momentos do show. Primeiro, quando Mônica recebe Chico no palco, enquanto canta Paratodos. Foi nessa música que Chico chamou Tom, um dos seus mestres, de Maestro Soberano. Depois, em Imagina. Por último, em Sabiá, melodia de Jobim, letra de Chico. Sabiá, a lindíssima canção de exílio que foi vaiada, em 1968, pelo público do FIC. O público preferiu o imediatismo dos versos de Geraldo Vandré em Caminhando. O momento político exigiu que fosse assim.

Quem abre o show é Mônica Salmaso. Faz seis números antes da entrada de Chico. Todos Juntos, dos Saltimbancos, é a primeira música. Traz logo uma mensagem para esse tempo estranho em que estamos vivendo: “Todos juntos somos fortes/Não há nada pra temer”. Há outras mensagens que vão costurando o programa: a ameaça do homem na letra de Passaredo e a notícia positiva na letra de Bom Tempo. Há Mar e Lua, uma joia pouco lembrada, e esse primor que é Beatriz, da parceria de Chico com Edu Lobo.

Na primeira sequência em que Chico Buarque e Mônica Salmaso ficam juntos no palco, temos O Velho Francisco, da década de 1980, e Sinhá (parceria com João Bosco), que, com pouco mais de 10 anos, já é um clássico. Sozinho, Chico resgata Desalento (do álbum Construção) e Sob Medida, que Simone gravou há mais de 40 anos. Nina, Blues Pra Bia e Tipo um Baião ainda são bem recentes. Injuriado e Uma Canção Desnaturada (da Ópera do Malandro) trazem Mônica de volta ao palco.

Morro Dois Irmãos e Futuros Amantes falam do Rio de Janeiro. Assentamento, da questão agrária. O Meu Guri e As Caravanas, das nossas desigualdades, do nosso apartheid. É quando o show se encaminha para o final com Que Tal um Samba?, lançada já em 2022 num single. Chico e Mônica revisitam um pouco do Samba da Benção, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, e do Samba da Minha Terra, de Dorival Caymmi. É o desfecho perfeito, antes da volta para o bis.

Chico e Mônica estão irretocáveis no palco. Ele, com a sua costumeira contenção. Ela, com uma alegria esfuziante. Um imenso compositor e uma grande cantora. Ele, a admirar a beleza da voz. Ela, embevecida com a força extraordinária das canções. Pessoas que fazem a gente acreditar que o Brasil pode dar certo – como na conversa com Caetano que mencionei no início do texto. Depois do show, um amigo me disse: há o sorriso e a gargalhada. O sorriso é mais elegante. Precisamos de alegria e crença no futuro. Chico e Mônica fazem isso com muita elegância.

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Chico Buarque e Mônica Salmaso se despedem do público paraibano nesta quarta-feira (07) com mais um show, às nove da noite, no Teatro Pedra do Reino.

Confira o repertório com 33 músicas que foi apresentado no show desta terça-feira (06):

MÔNICA SALMASO

Todos Juntos

Mar e Lua

Passaredo

Bom Tempo

Beatriz

Paratodos

CHICO BUARQUE E MÔNICA SALMASO

O Velho Francisco

Sinhá

Sem Fantasia

Biscate

Imagina

CHICO BUARQUE

Choro Bandido

Desalento

Sob Medida

Nina

Blues Pra Bia

Samba do Grande Amor

Injuriado – com Mônica

Tipo um Baião

As Minhas Meninas

Uma Canção Desnaturada – com Mônica

Morro Dois Irmãos

Futuros Amantes

Assentamento

Bancarrota Blues

Tua Cantiga

Sabiá

O Meu Guri

As Caravanas – com citação de Deus lhe Pague

Que Tal um Samba? – com Mônica

BIS

Maninha

Noite dos Mascarados

João e Maria