Nobreza do samba do Rio de Janeiro, Paulinho da Viola faz 80 anos com obra perene

Em 26 de junho, foi Gilberto Gil. Em sete de agosto, Caetano Veloso. Em 26 de outubro, Milton Nascimento. Neste sábado, 12 de novembro de 2022, quem faz 80 anos é Paulinho da Viola (Foto/Leo Aversa/Divulgação). Cada um a seu modo, quatro gigantes da música popular brasileira. Todos revelados na segunda metade da década de 1960, na chamada era dos festivais.

Paulinho da Viola é Paulo César Batista de Faria, nascido no Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo. O pai, César Faria, era violonista do conjunto Época de Ouro, de Jacob do Bandolim. Paulinho cresceu nas rodas de choro e de samba. O pai não queria que ele fosse músico, história contada na música 14 anos – “Ele então me aconselhou, sambista não tem valor nessa terra de doutor/E seu doutor, o meu pai tinha razão”.

Mas a atração foi irresistível, e a emoção se sobrepôs à razão do pai. Veio o violão, vieram os grandes sambas do passado, que o rapaz gostava de cantar, veio o Zicartola, e a amizade com Elton Medeiros, e Clementina de Jesus, e o Rosa de Ouro. Paulo César, tímido, muito contido, ganhou, então, um nome artístico e passou a ser chamado de Paulinho da Viola, como nunca mais deixaria de ser.

Tinha o samba. Tinha o choro. Tinha o violão, mas também o cavaquinho. Tinha o amor pela Portela, sua escola, mas também a reverência pela Mangueira de tantos mestres, homenageada em Sei Lá, Mangueira. Os portelenses não podiam reclamar: a escola do coração foi cantada em Foi um Rio que Passou em Minha Vida (“aquele azul não era do céu, nem era do mar”), samba antológico, clássico do repertório do autor.

Paulinho da Viola não é um artista do morro, nem ao menos da Zona Norte. Veio tão da classe média quanto Gil, Caetano e Milton. Mas, diferente desses, nunca se distanciou das matrizes do samba, o gênero que escolheu para dedicar seu trabalho autoral. Talvez um pouco em Sinal Fechado, que, no fundo, embora não pareça, conserva algo do samba. Sinal Fechado, originalíssima, singularíssima, é uma obra-prima do cancioneiro nacional.

O melhor de Paulinho da Viola, em discos, está na série de LPs que, ao longo da década de 1970, gravou na velha Odeon. Nesses álbuns, vamos encontrar seus melhores sambas, seu choros, além do autor que nunca abriu mão de ser também um primoroso intérprete. Gravou de Cartola a Lupicínio Rodrigues, de Chico Buarque a Pixinguinha. De Acontece a Nervos de Aço. De Sonho de um Carnaval a Os Cinco Companheiros.

Seus clássicos? Dança da Solidão ou Pecado Capital. Para um Amor no Recife ou Coração Leviano. Guardei Minha Viola ou Onde a Dor Não Tem Razão. Coisas do Mundo, Minha Nega ou E a Vida Continua. Tudo se Transformou ou Amor à Natureza. Perdoa ou Argumento. Timoneiro ou Eu Canto Samba. Sozinho ou com parceiros, grandes sambas, antológicos sambas.

Paulinho da Viola tem o repertório autoral, o violão preciso, o cavaquinho a puxar sambas e solar choros, a voz ideal para o que produz. Brilha nos estúdios, brilha igualmente nos palcos, onde costuma contar histórias incríveis. Gosta de carros antigos, de sinuca, é marceneiro, teve um namoro discreto com o “partidão”. É um exímio poeta do samba em letras que são verdadeiras crônicas do Rio de Janeiro. Observa o amor, vive o amor, canta o amor.

Para mim, a melhor síntese da sua música está em dois discos que, a rigor, formam um álbum-duplo. Um cantado, Memórias Cantando. O outro instrumental, Memórias Chorando. São menos autorais do que outros discos de Paulinho, mas são retratos fidelíssimos da sua alma de artista. Dizem que Paulinho é um homem muito elegante. É um clichê, mas é a mais absoluta verdade. Elegantíssimo. Por dentro e por fora.