SE VOCÊ AINDA NÃO OUVIU ZÉ MANOEL, NÃO SABE O QUE ESTÁ PERDENDO!

SE VOCÊ AINDA NÃO OUVIU ZÉ MANOEL, NÃO SABE O QUE ESTÁ PERDENDO!

O nome dele é Zé Manoel (Foto: divulgação).

Pernambucano de Petrolina, 40 anos.

Estudou piano com uma professora da sua cidade. Passou por Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Villa-Lobos.

Em casa, ouvia Anísio Silva e a Orquestra Tabajara.

Fez piano bar, tocou numa banda de jazz, migrou do erudito para o popular, foi ser compositor.

Ouvi-lo faz pensar não na grande tradição dos autores brasileiros que fazem música ao violão, mas num outro grupo. Sim. O dos que compõem canções ao piano.

Tom Jobim, Johnny Alf, Sérgio Ricardo, João Donato, Marcos Valle, Francis Hime, Edu Lobo, Egberto Gismonti, Ivan Lins. Poderemos encontrar algo de cada um deles na música de Zé Manoel. Mas encontraremos também Dorival Caymmi, que só compunha ao violão.

“Quando ouvi Caymmi, foi preciso reestartar tudo” – me disse Zé Manoel numa longa conversa telefônica que tivemos nos primeiros dias de 2021.

SE VOCÊ AINDA NÃO OUVIU ZÉ MANOEL, NÃO SABE O QUE ESTÁ PERDENDO!

Descobri Zé Manoel no final de 2020, através do também pernambucano Fábio Melo, que é proprietário do selo Passadisco e, através deste, viabilizou a edição física de Do Meu Coração Nu.

É o terceiro CD do compositor.

Na minha idade (61 anos) e com o gosto musical consolidado há muitos anos, confesso que não é fácil inserir novos artistas no meu repertório. Ficar entusiasmado com eles é ainda mais difícil.

Duas ou três críticas muito positivas me estimularam à audição do disco.

A primeira canção – História Antiga – chamou logo minha atenção. Lembrou Erasmo Carlos – impressão que só tive coragem de transmitir ao autor depois de uma hora de conversa. Sei lá. Vai que ele não gosta de Erasmo e acha que o comentário diminui o seu trabalho. Que nada. Zé Manoel riu e confirmou que eu estava certo na minha percepção.

Veio a segunda faixa, No Rio das Lembranças. Mais uma beleza. E a terceira, e a quarta, e a quinta. E o CD completo, do começo ao fim. Tudo lindo, tudo em seu devido lugar, uma canção conduzindo à outra, todas a nos arrebatar com suas melodias, harmonias, letras, arranjos.

A canção morreu? – pergunto a Zé Manoel.

Ele diz que não. Trabalha para ressignificar a canção.

Pode ser a chave para entrarmos no seu trabalho.

Do Meu Coração Nu tem um conceito.

É tudo afrobrasileiro, como define o maestro baiano Letieres Leite numa fala curta e grossa que antecede a faixa final do CD.

“Baião é música de preto. Luiz Gonzaga era preto. Bossa Nova é branca só porque nasceu na Avenida Atlântica? Já passei o pente fino no piano de Tom Jobim” – e vai por aí o maestro Letieres, nos 50 e poucos segundos que nos separam de Adupé Obaluaê, arranjo dele. Lembrei logo de Moacir Santos e dos afro-sambas de Baden e Vinícius e ainda do que Edu Lobo aprendeu quando, menino, passava férias em Pernambuco.

Mas a força, ali e nas demais faixas, vem do extraordinário talento de Zé Manoel. As influências, as fontes, as matrizes – tudo lhe fez (faz) um bem danado. Mas tudo leva a sua assinatura. A assinatura de um músico excepcionalmente inteligente, criativo, singular.

Do Meu Coração Nu é um disco de um artista engajado nas lutas dos negros, dos índios, das mulheres, dos que são perseguidos porque pertencem a uma religião de origem afrobrasileira.

O discurso de Zé Manoel às vezes é explícito, às vezes é sutil, também é terno, ora melancólico, ora vigoroso.

Canto Pra Subir é uma dilacerante canção de despedida, triste de fazer chorar e de uma beleza rara.

Não vou mencionar cada faixa num disco em que nada se perde.

Ouçam. É melhor. É irresistível.

Do Meu Coração Nu foi a grande novidade que mexeu comigo em 2020.

Ouvir Zé Manoel, hoje, é um alento.

Quando tudo isso passar, será melhor ainda.