Turnê de Chico Buarque começa nesta terça-feira em João Pessoa. Meu amor por Chico vem de longe

Chico Buarque entrou lá em casa em 1966 com A Banda. Meu pai, que admirava o pai dele, tinha somente 30 anos. Eu, sete. A marchinha seduziu todo mundo, como conta Nelson Rodrigues numa das suas crônicas. Contagiou tal como a própria banda a passar fez com os personagens da letra. Em 1967, foi Roda Viva, naquele festival arrasador de Ponteio, Domingo no Parque e Alegria, Alegria. Aos oito anos, eu já tinha na minha vida os Beatles que vira em A Hard Day’s Night. Agora, passava a ter os brasileiros que despontavam naqueles festivais.

O Chico inaugural é aquele dos três discos lançados pela RGE. 1966, 1967, 1968 – no Brasil da ditadura, mas antes do endurecimento do regime. Quando, de longe, a gente revisita as músicas dos três álbuns, constata facilmente que tudo ali já soava tão maduro, tão bem acabado, tão bonito, que seu autor parecia um cara de grande experiência com a composição de música popular. Tinha, no entanto, somente 22 anos no primeiro disco, 24 no terceiro, e fazia músicas que eram clássicos instantâneos, que já nasciam merecedoras de lugar nas antologias do nosso cancioneiro.

Depois do AI5, em dezembro de 1968, o Brasil ficou muito mais feio. Chico foi para a Itália. Um autoexílio. Ao voltar, trocou a RGE pela Philips. No seu quarto disco, havia mudanças na sonoridade dos arranjos e um Chico ainda mais maduro no que compunha. Mas absolutamente extraordinário, melhor do que tudo o que já fizera, seria seu quinto álbum – Construção, lançado em 1971. De bigode, o artista perdera um pouco o ar de bom moço que exibira até então. Tinha somente 27 anos e escrevera essa obra-prima que dava título ao LP.

Construção tinha versos que terminavam em proparoxítonas, e uma engenhosa troca de posição entre essas palavras provocava um efeito incrível. O arranjo levava a assinatura de Rogério Duprat, o maestro dos tropicalistas. O disco trazia as vozes do MPB4 e o piano de Antônio Carlos Jobim. Parcerias com Tom e com Vinicius de Moraes, e músicas como Deus lhe Pague, Cotidiano, Desalento, Olha Maria, Samba de Orly e Valsinha. Começava a década de 1970, e os censores da ditadura estavam de olho em Chico Buarque.

Seguiram-se grandes discos autorais: Calabar (fortemente atingido pela ação da Censura), em 1973, Meus Caros Amigos, em 1976, Chico Buarque, em 1978, A Ópera do Malandro, em 1979, e Vida, em 1980. Há o disco ao vivo com Caetano Veloso e o com Maria Bethânia, e o LP do intérprete (Sinal Fechado), lançado em 1974, resposta aos censores que não deixavam Chico em paz. Penso que a década de 1970 foi a mais produtiva da sua trajetória. Se juntarmos a produção dos anos 1960 com a dos anos 1970, teremos muitas dezenas de clássicos populares.

Quando a década de 1980 começou, Chico se aproximava dos 40 anos. A ditadura estava terminando, e o samba Vai Passar, de 1984, talvez encerre uma longa fase da sua carreira. Parceiro de Edu Lobo em muitas canções, “entortou” suas músicas, tirou delas o caráter de clássicos instantâneos e exigiu do ouvinte mais atenção. O estranhamento das primeiras audições foi superado, e as novas belezas foram descobertas. No fundo, no fundo, eram as mesmas belezas que sempre acompanharam Chico de perto, desde o disco de estreia na RGE.

A passagem do tempo tirou, aos poucos, uma impressão que todos tinham do artista: que ele não gostava de palco. Que nada. Chico Buarque entrou na década de 1990, perto dos 50 anos, fazendo uma turnê sempre que lançava um novo álbum autoral. Nessa ordem: disco de inéditas, turnê, disco ao vivo e DVD. Cumpridas as etapas musicais, vinha o novo livro do Chico escritor. Se 2021 foi a vez do livro (Anos de Chumbo, de contos), 2022 é a hora da turnê. Não houve álbum, mas single com a inédita Que Tal um Samba?, que dá título à turnê.

Nesta terça-feira (06) e nesta quarta-feira (07), Chico Buarque começa sua turnê por João Pessoa, no Teatro Pedra do Reino. Terá como convidada especial Mônica Salmaso, ele e ela fotografados aqui por Leo Aversa. O que Chico vai cantar sozinho? O que Mônica vai cantar sozinha? Que números farão em dueto? O que vai predominar no set list? Clássicos dos anos 1960 e 1970? Números dos últimos 30 ou 40 anos? Perguntas, perguntas. Respostas, só à noite, depois que o público de João Pessoa tiver o privilégio de assistir à estreia da nova turnê de Chico Buarque.