Yoko Ono faz 90 anos odiada por milhões de fãs dos Beatles e amada por outros muitos milhões

18 de fevereiro de 2023. Neste sábado, Yoko Ono faz 90 anos. Ela conheceu John Lennon em 1966 e foi casada com ele entre 1969 e 1980, quando, aos 40 anos, o músico foi assassinado em Nova York. Yoko já era Yoko, uma notável artista de vanguarda, na época em que se aproximou de John, mas é claro que ganhou – junto com sua arte – muita visibilidade como mulher de um beatle. Foi (e ainda é) odiada por milhões de fãs dos Beatles. Foi (e ainda é) amada por outros muitos milhões. Sempre pertenci ao segundo grupo.

Os Beatles se separaram há mais de cinco décadas, mas milhares de fãs ainda abominam Yoko Ono por atribuir a ela o fim do quarteto. Nunca fiz parte dos que viam a mulher de John Lennon com maus olhos. Sempre achei que ela, como artista de vanguarda, apontou novos caminhos para ele. Alguns, ainda na época do grupo. Outros, depois da separação. Yoko ia para o estúdio com John (as imagens dos documentários Let It Be e Get Back registram) e o influenciava em ousadias como Revolution 9. A tentativa de fazer música avan-garde que temos no White Album certamente não existiria sem Ono, que, embora não creditada, é, de fato, coautora da faixa.

Yoko Ono faz 90 anos odiada por milhões de fãs dos Beatles e amada por outros muitos milhões

John Lennon era sete anos mais novo do que Yoko Ono. Ele, nascido em outubro de 1940. Ela, em fevereiro de 1933. Os dois, crianças da guerra, conforme assinalava o livro A Balada de John & Yoko, editado há uns 40 anos pela revista Rolling Stone. No momento em que Lennon nasceu, Liverpool era bombardeada pelos alemães. Ono cresceu num país devastado pela guerra. Filha de uma família abastada, criada longe do pai, entre um professor que lhe apresentou a Bíblia e um criado que dava aulas de budismo. No meio, havia um piano. Quando os dois se conheceram, em meados dos anos 1960, Yoko não parecia destinada a se aproximar do universo do rock.

John e Yoko se encontraram em novembro de 1966 na Indica Gallery, em Londres. Ele foi à pré-inauguração da exposição dela. Lennon subiu numa escada que havia no meio da sala, olhou por um pequeno telescópio preso a uma tela pendurada no teto e leu a palavra “sim”. Também estava escrito: pregue um prego. Ele perguntou se poderia fazer isto. Ela disse que não. Afinal, a exposição ainda não estava aberta ao público. A história está no livro da Rolling Stone. E em muitos outros. Lenda ou realidade? Se for lenda, que prevaleça sobre a realidade quando aquela é melhor do que esta. Aprendemos com John Ford no clássico O Homem que Matou o Facínora.

Antes mesmo que os Beatles acabassem, o casal gravou três discos experimentais. Two Virgins, Life With the Lions e Wedding Album são trabalhos radicalíssimos que se contrapõem ao que John Lennon fazia ao lado de Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Mas que enriquecem a trajetória do artista que ele era e, indiretamente, do grupo ao qual seu nome esteve vinculado durante toda a década de 1960. John não era o melhor músico dos Beatles, mas a personalidade mais importante, inquieta, polêmica e controvertida. Yoko desempenhou papel fundamental na consolidação da sua figura pública e do que o mundo guarda da sua memória.

Yoko Ono faz 90 anos odiada por milhões de fãs dos Beatles e amada por outros muitos milhões

Yoko conduziu John por caminhos que talvez ele não tivesse trilhado sem ela. Nas exposições, nos filmes experimentais. Mas Lennon também levou Ono para os rocks e baladas do seu universo. O disco duplo Sometime in New York City, de 1972, confirma. É panfletário e ingênuo, mas irresistível. Flagra o casal em seu momento de mais intensa militância política em Nova York. Gritando contra as injustiças, a guerra. Pacifistas, feministas, sonhando com um mundo melhor. “A guerra acabou, se você quiser”, dizem os versos da canção natalina que ouvimos até hoje. John Lennon foi assassinado em 1980. Yoko envelheceu cuidando da memória dele.

Fecho com dois momentos da música de Yoko Ono. Em Why, os gritos da artista de vanguarda se encontram com o rock de Lennon. Em Hard Times Are Over, uma das faixas de Double Fantasy, último álbum do casal, a letra diz que os tempos duros chegavam ao fim, quando, na verdade, estavam só começando.

Yoko grita: WHY, 1970

Yoko canta: HARD TIMES ARE OVER, 1980