Uma voz poética incompreendida

As rimas pouco convencionais e as metáforas lúgubres de suas estrofes demoraram para ser digeridas inclusive pelos seus pares, como o ‘Príncipe dos Poetas’ Olavo Bilac.

Muitas vezes descrita como hermética, a linguagem de Augusto dos Anjos imprimiu inicialmente na memória coletiva uma imagem bem contrastante à do herói das letras, carregado nos braços do povo.

As rimas pouco convencionais e as metáforas lúgubres de suas estrofes demoraram para ser digeridas inclusive pelos seus pares, como o ‘Príncipe dos Poetas’ Olavo Bilac.

Na introdução que Francisco de Assis Barbosa faz à 29ª edição do Eu, lançada pela Livraria São José no cinquentenário do seu aparecimento, o ensaísta conta uma anedota envolvendo a figura de Augusto dos Anjos e o vulto de Bilac.

Pouco depois de receber a notícia de que o paraibano padecera na madrugada do dia 12 de novembro vítima de uma pneumonia, os amigos intelectuais Orris Soares e Heitor Lima passeavam pela avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, quando se depararam com Bilac, que alegou desconhecer o colega falecido.

"Quem é esse Augusto dos Anjos?", perguntou. Quando Heitor Lima recitou o poema ‘Versos a um coveiro’, Bilac desdenhou: "É esse o poeta? Então fez bem morrer, porque não se perdeu grande coisa".

Outro episódio que expressa esta faceta de gênio incompreendido ocorreu quando Gilberto Freyre, de volta da Universidade de Columbia (EUA), onde estudou na década de 1920, visitou a Paraíba a convite de José Lins do Rego. Levado para conhecer a estátua erguida na Praça Dom Adauto para o político Álvaro Machado (morto no mesmo ano da publicação do Eu), Freyre pergunta a Zé Lins: "E para Augusto dos Anjos, o que vocês fizeram?".

O relato foi e ainda é sintomático da postura de um Estado que Augusto, então professor interino de literatura do Liceu Paraibano, abandonou em 1910 a bordo de um navio com a esposa Esther Fialho e rascunhos do Eu.