De direito, mas não de fato

Projetos ‘Nome Legal’ e ‘Pai Presente’ garantem o reconhecimento de paternidade, mas não a presença do pai na vida dos filhos.

Há pouco mais de um mês, a estudante Camilla Martins, 19, ganhou o que considera o melhor presente da sua vida: o nome do pai no registro de nascimento. Através do projeto ‘Nome Legal’, do Ministério Público da Paraíba (MPPB), ela passou a se chamar Camilla Martins Quirino. Mudança que é motivo de orgulho – e decepção.

A estudante esperava que, junto com o reconhecimento, houvesse também aproximação com o pai. “Ele continua distante, só mudou no papel”, lamentou. A realidade enfrentada por Camilla é compartilhada por muitos outros filhos que ganham o reconhecimento de paternidade, mas que se frustram com o comportamento dos pais.

“Eu pensava que seria diferente. Eu queria um pai presente, ao meu lado, que me telefonasse para saber como eu estou, que me abraçasse, que conhecesse meus amigos. Isso não aconteceu, infelizmente”, declarou a estudante.

Atualmente os projetos ‘Nome Legal’ e ‘Pai Presente’ fazem mutirões pela Paraíba para garantir o direito ao reconhecimento.

CONHECER O PAI
Os primeiros anos da vida de Camilla não foram os melhores, conforme ela contou à reportagem. Enquanto as amigas queriam brinquedos, ela queria conhecer o pai. “Minha mãe sempre dava um jeito de me enrolar quando eu perguntava quem era meu pai”, revelou.

Aos sete anos, aconteceu o primeiro contato entre pai e filha. “Foi quando minha mãe nos apresentou”, frisou. Depois desse dia, Camilla teve de esperar quase oito anos para falar novamente com o pai.

O contato, dessa vez, foi feito em forma de convite para a festa de 15 anos. Ele aceitou e dançou a valsa com a filha. “O fato dele ter aceitado me deixou muito feliz, eu era a alegria em pessoa”, contou.

Até então, Camilla não gostava de mostrar a certidão de nascimento sem o nome do pai. Eles se aproximaram, mas as três tentativas de reconhecimento não deram certo.
No início deste ano, pediu novamente ao pai para registrá-la e ele aceitou. Camilla recebeu o novo registro e tinha a expectativa de dias melhores ao lado de Antônio, mas não foi assim.

O pai da estudante tem uma nova família, a qual, segundo Camilla, sempre colocou obstáculos na reaproximação. “Chegaram a dizer que eu queria tirar proveito da situação, mas nunca tive essa intenção”, disse.

O contato entre os dois se resume a ligações no dia do aniversário de Antônio e no Natal. “O vazio que tenho dentro de mim não foi preenchido”, desabafou.

Para Jéssica Silva, o reconhecimento da paternidade também não mudou em nada a relação com o pai. “Ele me reconheceu, mas nunca me deu atenção. Sinceramente eu fiquei ainda mais triste, pois antes eu pensava que ele não me procurava porque não tinha me registrado. Mas hoje percebo que não faço diferença na vida dele”, declarou.

Ausência afeta vida da criança

Por mais difícil que seja para um filho entender, a verdade é que nem sempre o reconhecimento da paternidade vai reatar o vínculo afetivo que deveria existir.

A psicóloga clínica Helga Hofmann explicou que o reconhecimento da paternidade é algo extremamente importante para qualquer pessoa. “Muitas mulheres têm a esperança de preencherem o espaço em branco na certidão de nascimento de seus filhos”, comentou.

De acordo com a psicóloga, o vínculo afetivo não acontece com o mero reconhecimento do direito. “A aproximação com o genitor exige tempo, demanda vontade, desejo. Ambos, pai e filho, precisam desse encontro. Uma relação necessita de dedicação e tempo”, afirmou.

“Muitas crianças, adolescentes e adultos se frustram, pois imaginam que ter o nome do pai no registro vai sensibilizá-lo para uma aproximação, mas em muitos casos, isso não acontece”, declarou a psicóloga.

Diante dessa situação, conforme Helga, os sentimentos de rejeição, frustração e desvalorização voltam a fazer parte da vida dessas pessoas. “Não podemos medir com precisão as consequências da não aproximação, pois cada pessoa reage de uma forma”, disse.

A ausência do pai pode acarretar graves consequên-
cias psicológicas na vida de uma criança. “No caso de ausência definitiva, a morte, a criança deve ser assistida desde cedo e saber a verdade para poder elaborar essa perda”, afirmou.

“No caso do não reconhecimento paterno, o processo será mais complexo, pois o pai está vivo e não faz parte de sua vida”, explicou Helga.

Segundo ela, em alguns casos o lugar do pai poderá ser ocupado por um padrasto, avô, tio, etc. “A ausência do pai, em geral, gera uma fantasia na criança. Uma fantasia de um pai muito bom ou péssimo”, declarou.