Perda do direito à terra e à memória por famílias camponesas no Canal Acauã-Araçagi

Tese de professor da UFPB aponta que problemas causados pela barragem de Acauã.

Cemitério da comunidade do Cajá, submerso em 2004, quando a barragem de Acauã transbordou, reapareceu com a seca de 2015 (Foto: Ascom/MPF)

Perda do direito à terra, à informação e até mesmo a memória. Para o professor da UFPB, Hugo Belarmino, cuja tese de doutorado é intitulada “Novo caminho das águas e os cantos de Acauã: estudo de caso sobre conflitos territoriais e novos cercamentos das águas na Paraíba”, as famílias que foram atingidas pela construção da barragem de Acauã em 2002 tiveram seus direitos violados em vários níveis, com a ruptura de redes culturais, sociais e econômicas.

O mais alarmante, no entanto, pode ainda estar para acontecer: sua pesquisa aponta que uma nova agenda sobre a questão hídrica e a questão agrária está apenas começando com a construção do canal Acauã-Araçagi, que começou a ser construído há oito anos e é a maior obra hídrica do estado da Paraíba, com 130,44 km, levando água de Araçagi até o rio Camaratuba, passando pela Barragem de Araçagi.

Perda do direito à terra e à memória por famílias camponesas no Canal Acauã-Araçagi
Canal Acauã-Araçagi visa levar água de Araçagi até o rio Camaratuba, cortando vários municípios (Foto: José Marques/Secom-PB)

O professor explica que a sua pesquisa transcendeu o tema inicial, que era a investigação das violações aos direitos causadas pela barragem de Acauã, e e foi criada uma nova metodologia através da qual ele pôde percorrer, junto com os atingidos de Acauã, o caminho às margens do Canal Acauã-Araçagi, o que mostrou, segundo ele, que algumas situações podem repetir os mesmos problemas já relatados.

“Uma primeira questão é o reconhecimento de que as comunidades que estão a margem de qualquer grande obra hídrica precisam ter o acesso à terra e à água garantidos. E é preciso também reconhecer que embora o Estado seja o responsável pela gestão hídrica, ela não poderia ser feita de forma centralizadora, pois essas comunidades também têm uma gestão própria e os conflitos tanto com os setores privados quanto com a gestão pública acabam impedindo que as populações camponesas permaneçam em suas terras ou dificultando a produção camponesa e a agricultura familiar”, destacou.

A Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente informou nesta segunda-feira (21) que todos os assentamentos foram beneficiados. Os donos dos lotes foram desapropriados e relocados. Não há reclamação por parte deles.

O projeto da Agrovila, cujo decreto de desapropriação das áreas para sua construção foi assinado no início deste mês pelo Governo do Estado, no entanto, prevê a construção de casas com dois quartos, escola com quatro salas de aula, galpão para usos diversos, campo de futebol, vias principais pavimentadas, sistema de eletrificação e iluminação, perfuração de poços artesianos e sistema de abastecimento de água, numa área total de 328 hectares, localizada no município de Itatuba, onde cada família terá acesso a 1,5 hectare de terra.

Sobre a construção da agrovila, o professor opina que embora seja um “momento muito importante e histórico, é um primeiro passo de uma agenda enorme de reparações que precisam ser feitas”. Para ele, essa é uma conquista que ainda é parcial. “Esse, na verdade, é o primeiro reassentamento oficial que é feito dessas famílias, porque o próprio conceito de reassentamento prevê que seja mantido ou melhorado o nível de vida anterior. E essas pessoas, na verdade, haviam sido reagrupadas em verdadeiras favelas rurais anteriormente”, opina.

VIOLAÇÃO AOS DIREITOS – Além da perda do direito à terra e às fontes que garantiam a sua subsistência, a construção da barragem de Acauã também fez com que os moradores que viviam às margens do rio Paraíba perdessem seu direito de cultuar os mortos, após dois cemitérios das comunidades terem sido cobertos pelas águas da cheia da barragem de Acauã, como aponta o professor Hugo Belarmino. “Essas comunidades foram violadas também no seu direito à memória”, pontua. As ruínas dos cemitérios só foram reaparecer por volta de 2013, após anos de seca, quando as águas da barragem diminuíram.

Perda do direito à terra e à memória por famílias camponesas no Canal Acauã-Araçagi
Osvaldo Bernardo, atual atual coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na Paraíba, retirando restos mortais enterrados no antigo cemitério São José, que foi coberto pelas águas da cheia da barragem de Acauã, em 2004. (Foto: Arquivo / MAB)

Somente com a inauguração do cemitério São Sebastião, em 2017, o atual coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na Paraíba, Osvaldo Bernardo, por exemplo, pôde realocar os restos mortais dos parentes que estavam enterrados em Aroeiras. Um dos parentes é o irmão de Osvaldo, Odilon Bernardo da Silva Filho, assassinado aos 33 anos numa emboscada, à noite, quando voltava para sua residência, após sair de uma conversa informal com amigos e militantes do MAB.

* Reportagem atualizada às 10h desta segunda-feira (21) para acrescentar resposta enviada pela assessoria da Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente.