Nepotismo: prefeituras paraibanas viram ‘negócio de família’

Em 56 municípios do Estado, gestores praticamente lotearam o Executivo entre parentes. Dados fazem parte de uma pesquisa da UFPE.

Nem mesmo o monitoramento constante dos órgãos de fiscalização e controle tem impedido que prefeitos mantenham uma antiga prática de nomear parentes para cargos comissionados na administração municipal. Na Paraíba, pelo menos 25,11% dos prefeitos lotearam o Executivo de parentes. O percentual equivale a 56 das 223 prefeituras paraibanas, a maioria concentrada no Sertão e na região da Borborema, além de alguns municípios do Agreste. Os dados fazem parte de uma pesquisa do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O levantamento cruzou dados de 1.511 municípios do Nordeste e em 641 deles, o gestor municipal havia colocado alguém da família para chefiar as secretarias de Educação, Saúde ou Assistência Social, que lidam com a maior quantidade de repasses federais. Autor da pesquisa e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas Municipais da Faculdade Asces, de Caruaru, o cientista político Vanuccio Pimentel explicou que estas secretarias foram escolhidas justamente por possuir organização em nível nacional onde os gestores municipais precisam ser devidamente registrados. Isso permitiu o acesso global aos ocupantes das secretarias. Os dados utilizados no trabalho são de 2013, primeiro ano dos atuais mandatos municipais.

NORDESTE

No total de prefeituras nordestinas, 42% apresentaram uma estrutura de clã político em sua administração. Em 15 cidades, as três pastas eram controladas por familiares do prefeito. Vanuccio Pimentel explicou que os clãs são organizações informais que se alimentam da formalidade das instituições para controlar o processo político em alguns municípios. “Este controle é feito por meio de uma organização familiar no qual o prefeito do município nomeia parentes para ocupar as suas secretarias. Isso permite que o prefeito e sua família controlem diretamente um montante enorme de recursos públicos”, afirmou.

O esquema montando, explica o especialista, também permite ao prefeito lançar candidatos de sua família para ocupar outros cargos, como o cargo de prefeito em alguma cidade vizinha ou até ocupar uma cadeira na assembleia legislativa e, em alguns casos, até ocupar uma cadeira na Câmara Federal, destaca o cientista político.

No estudo, Vanuccio Pimentel preferiu não divulgar os nomes dos municípios em que foram identificados estes parentes, com o argumento de preservar o método estatístico utilizado para a associação de parentesco e considerando que a divulgação destes municípios e dos parentes identificados provocaria alguma agitação política nestas localidades. “Porque este não é o objetivo da pesquisa acadêmica”, argumentou.

Ano passado, o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB) instaurou 27 processos envolvendo a prática de nepotismo contra gestores paraibanos que transformaram a administração em negócio familiar. Exemplo deles foi o prefeito de São Miguel de Taipu, Clodoaldo Beltrão Bezerra de Melo (PMDB), que nomeou a mãe, a esposa e até irmãos para cargos comissionados. 

Restrições impostas em súmula do STF

A legislação impede que parentes de até terceiro grau do atual mandatário possam concorrer nas eleições seguintes e proíbe os prefeitos de nomearem parentes para cargos comissionados que não sejam classificados como funções políticas, como são as secretarias. Apesar de condenável, o cientista político entende que a prática não se trata propriamente de nepotismo do ponto de vista legal. “De fato, do ponto de vista teórico, esta prática de nomear parentes para os cargos de secretário municipal configura nepotismo. No entanto, pela legislação brasileira que torna crime o nepotismo na administração pública, esta prática política não se enquadra nesta tipificação penal”, disse.

Conforme lembrou Vanuccio, o STF emitiu a súmula vinculante n. 13, que considera nepotismo a nomeação de parentes para cargos de confiança de chefia e assessoria na administração pública. Posteriormente, o mesmo STF entendeu que o cargo de secretário municipal não se enquadra na categoria de cargo de confiança e foram tipificados como cargos políticos.

Sendo políticos, portanto, não haveria a necessidade de vedação legal para a nomeação de parentes, visto que em algumas localidades as alianças políticas podem ocorrer dentro da mesma família. Dessa maneira, esta prática não pode ser tipificada como nepotismo.

Vanuccio chegou à conclusão de que não há perspectiva de que esses clãs deixem de existir em um futuro próximo. “No final, uma família dessa, num município pobre, controla milhões por ano. E não existe atividade econômica na cidade que faça frente a esse poder”, concluiu.