Um ano de Bacurau. Cinema novíssimo, filme é impactante experiência estética e política

Está fazendo um ano da estreia de Bacurau, o grande filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.

Estava relendo o que escrevi assim que vi o filme, sob o impacto das primeiras impressões.

Compartilho com vocês.

O Som ao Redor, 2012. 

Aquarius, 2016. 

Bacurau, 2019.

Kleber Mendonça Filho – que li tanto no Jornal do Commercio, que foi lá na Livraria Cultura do Paço Alfândega debater comigo e com Jomard Muniz de Britto o livro de Antônio Barreto Neto, que encontro no backstage do show de Caetano Veloso no Recife – é um dos grandes cineastas do mundo.

Assim, bem perto da gente, fazendo filmes que arrebatam as plateias onde quer que sejam exibidos.

Bacurau é uma experiência impactante.

Antes do conteúdo, a forma. Se há algo que me impressiona imensamente em Kleber é o domínio absoluto que ele tem do seu ofício. O cineasta está no grupo dos que migraram com êxito da crítica para a direção. Antes de qualquer coisa, aos cinéfilos, Kleber proporciona um grande prazer estético.

Bacurau é filme realizado por quem pensa o cinema. A habilíssima manipulação dos gêneros, a construção de climas, a tensão permanente, o uso de trilhas preexistentes, o diálogo com o passado (do cinema) e a rara capacidade de atualizá-lo – tudo junto e misturado para levar o espectador à catarse final.

Li em algum lugar que o conteúdo de Bacurau é claro como a água. Sim, a água que falta no Nordeste brasileiro de ontem e de hoje e que, fatalmente, faltará no de amanhã. As vozes de Gal Costa, Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré falam sobre o cinema do Brasil dos anos 1960 (Brasil Ano 2000, Deus e o Diabo na Terra do Sol, A Hora e a Vez de Augusto Matraga) e conectam passado, presente e futuro.

Pensei em filmes do Cinema Novo que permanecem assustadoramente atuais. Mas sei que eles são herméticos. O filme de Kleber se passa num futuro próximo e conversa com a gente sobre o presente. Essa conversa é direta, só não entende quem não quer entender. Esse lugarejo chamado Bacurau sintetiza no micro o que vemos no macro.

Aterroriza o instante (instante mesmo) em que vemos, na tela da TV, a notícia sobre as execuções no centro de São Paulo.

Bacurau está sendo chamado de cinema de resistência. Sua estreia – e isto é de suma importância – ocorre no momento em que o governo brasileiro tenta dizimar a produção nacional de audiovisual. O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é um eloquente contraponto a esta ameaça.

É resistência como produto, é resistência como chamado à luta.

Bacurau é um significativo acontecimento político.

Mas é também um acontecimento estético.

É o que permitirá que atravesse o tempo como grande cinema