‘Falsa’ redução: pandemia provoca queda nas notificações de casos de hanseníase

Mudança no fluxo de funcionamento dos serviços de saúde e o receio de sair de casa explica a diminuição nos números de casos, diz Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Janeiro Roxo conscietiza sobre o diagnóstico da hanseníase. Foto: Freepik

Nos dois últimos anos houve queda significativa no número de registros de novos casos de hanseníase no Brasil, aponta a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Enquanto que em 2019 o Brasil totalizou 27,8 mil notificações, em 2020 esse número caiu para 17,9 mil, o que significou uma redução de 35%. Em 2021, essa quantidade recuou ainda mais: foram identificados 15,1 mil novos casos (45% a menos do que no período pré-pandêmico). No entanto, esse número é entendido pela SBD como uma falsa redução dos diagnósticos.

Na Paraíba, enquanto o número de diagnósticos de hanseníase foi 616 em 2019, em 2020 caiu para 399 e, em 2021, para 336. Mesmo sem estudos específicos que ajudem a traçar o cenário, para a SBD, a Covid-19 tem um papel importante no processo. A coordenadora do Departamento de Hanseníase da entidade, Sandra Durães, lembra que a pandemia gerou dois fenômenos que contribuíram para a queda no volume de notificações:

“Em primeiro lugar, houve mudança no fluxo de funcionamento dos serviços de saúde, que reduziram sua rotina de atendimento e passaram a dar prioridade aos casos de coronavírus. Em segundo lugar, a população, mesmo com sinais e sintomas de adoecimento, evitou a busca de ajuda médica com medo de estar em ambientes onde supõe que o risco de contágio pela covid-19 é maior”, aponta. 

Além dessas questões diretamente relacionadas à pandemia, outros fatores têm prejudicado o combate à hanseníase. Apesar de todos os esforços do Governo, da Sociedade Brasileira de Dermatologia e de vários outros movimentos organizados, esse problema ainda integra o rol das doenças consideradas negligenciadas. Isso se reflete na aposta limitada de alguns gestores na formação adequada das equipes que atuam nos postos de saúde e no baixo investimento da indústria farmacêutica na produção de medicamentos para tratar os casos diagnosticados. 

Perfil dos casos 

A partir de dados oficiais disponíveis no Ministério da Saúde, é possível traçar um perfil dos novos casos da doença nos últimos anos. De 155.359 notificações de 2016 a 2020, 55,5% dos registros corresponderam ao sexo masculino. Em relação à faixa etária dos afetados, 18% tinham entre 40 e 49 anos; 19%, de 50 a 59 anos e 16% correspondem a pessoas com idade entre 30 e 39 anos.

Outro dado importante é o nível de escolaridade dos pacientes. A hanseníase não tem nenhuma relação direta com o grau de instrução dos afetados, no entanto, esse indicativo acarreta uma série de fragilidades sociais que favorecem o contágio da doença, como a precariedade em habitação, falta de informação e dificuldade de acesso aos sistemas de saúde.

Entre 2016 e 2020, de 103,4 mil pessoas que relataram dados sobre grau de ensino, 51.789 tinham o Ensino Fundamental Incompleto, o que corresponde a 50% do total. Em contrapartida, apenas 4,6% dos casos tinham nível superior completo, um total de 4.824 pessoas.

A divulgação deste levantamento feito com base em dados oficiais do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde ocorre às vésperas dos Dias Nacional e Mundial de Combate e Prevenção à Hanseníase, que acontecem neste ano nos dias 29 e 30 deste mês. As datas encerram as atividades do Janeiro Roxo, mês em que o Governo, com o apoio da SBD, promove ações de conscientização sobre essa doença.

Para os especialistas da SBD, os números registrados em 2020 e 2021 sugerem que muitos casos de hanseníase continuam sem diagnóstico. Consequentemente, pessoas infectadas, mas sem tratamento, correm o risco de transmitir a doença para outros indivíduos de seu círculo próximo e têm maiores possibilidades de desenvolver sequelas.