CULTURA
O lado escuro da fantasia
Livro das Coisas Perdidas (Bertrand Brasil, 364 pág., R$ 39,00), de John Connolly, já começa com a morte da mãe de David, de apenas 12 anos. Morreu, após perder o brilho no olhar.
Publicado em 06/05/2012 às 8:00
O Livro das Coisas Perdidas (Bertrand Brasil, 364 pág., R$ 39,00), de John Connolly, já começa com a morte da mãe de David, de apenas 12 anos. Morreu, após perder o brilho no olhar.
O menino se vê, a partir dessa perda, sozinho em seu amor pelos livros, já que era a mãe quem incentivava o interesse de David pela leitura, principalmente as de fantasia.
O pai, apesar de sempre ocupado com o trabalho, em meio aos acontecimentos em Londres durante a 2ª Guerra Mundial, tenta devolver ao menino a alegria que a morte da mãe levara.
É assim que David ganha uma madrasta e um novo irmão. O efeito, porém, é contrário. Tomado por uma tristeza profunda e revolta, David recorre aos livros para diminuir suas frustrações. A construção do seu isolamento é nítida: quanto mais se desligava do mundo real, mais o menino passava a fazer parte do mundo dos livros. Para David, mergulhar no mundo dos livros não era apenas um lazer, era um alívio.
Os livros, porém, tinham suas próprias intenções para o garoto.
Eles podiam sussurrar no seu ouvido, podem convidá-lo para uma pequena visita ao mundo de suas fábulas.
Mesmo que David não lhes desse atenção, ouvir já era o suficiente para que as sugestões dadas pelo livro serem, até inconscientemente, aceitas por David. Apesar do medo, é ele quem decide atravessar os mundos e entrar em outra realidade.
As consequências, porém, são as mais inusitadas possíveis.
E é assim que Connolly nos leva para uma estória dentro da estória. Ao entrar no mundo da fantasia, fica claro o poder que a imaginação tem de nos levar para outras realidades. E é nesse novo mundo que David encontra personagens já conhecidos das fábulas infantis, como Branca de Neve, os sete anões, João e sua irmã Maria. Mas o mundo dos contos de fadas sofre um abalo nas mãos de Connolly.
O livro tem um tom sombrio, os personagens são perturbados e, por vezes, com comportamento doentio. Nessa nova visão, a frágil Branca de Neve, por exemplo, é mal educada e a tal ponto odiada que sofre tentativa de assassinato por parte de seus companheiros anões. Já o Homem Torto, engana crianças para torturá-las no mundo das fábulas e a caçadora tem uma fixação por decepar as crianças e acoplar suas cabeças em novos corpos, de animais.
É assim que percebemos que, apesar de ser um livro cujos personagens principais são crianças e por ter em seu enredo menções a fábulas exaustivamente visitadas do universo infantil, O Livro das Coisas Perdidas mostra um universo que não é próprio para crianças.
O autor reconstrói o mundo das fábulas de maneira obscura e desafiante. Conduz o leitor, do início ao fim, pelos erros e acertos das escolhas de David, e nos faz vibrar ou lamentar, junto com o personagem, em suas aventuras pelo mundo das coisas perdidas.
REALIDADE E FANTASIA
Revisitar os universos das fábulas tem sido uma constante não só nos livros, mas também no cinema e na TV.
No caso da televisão, temos hoje dois bons exemplos de seriados que conseguiram adaptar essas fábulas com originalidade: Grimm, exibido no Brasil pela Universal Channel, e Once Upon a Time, transmitido pelo canal pago Sony.
Nessa última, acontece o oposto do que é narrado no livro de Connolly. Os personagens são amaldiçoados e obrigados a viver no mundo real, sem que saibam suas verdadeiras origens.
Já em Grimm, os aspectos dos seriados policiais se misturam com o mundo das fábulas, quando um detetive de homicídios precisa manter o equilíbrio entre o mundo real e o mitológico. Os episódios são baseados nas histórias dos Irmãos Grimm. É uma amostra de que ainda há espaço para tentativas de inovação em um universo já tão remexido, como o das fábulas.
Assim como fez Conolly, esses seriados exploram as histórias com aspectos de mistério e terror. É essa a nova possibilidade para os escritores e redatores. Dessa forma, as criações saem do restrito universo infantil para atingir outros públicos.
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