VIDA URBANA
Malha ferroviária da Paraíba pode sumir em apenas cinco anos
Trechos abandonados, trilhos arrancados, estações desativadas, linhas férreas tomadas por construções, desempregos e prejuízo inestimável.
Publicado em 20/12/2009 às 9:12
Por Jacqueline Santos
Do Jornal da Paraíba
Trechos completamente abandonados, trilhos arrancados, estações desativadas, linhas férreas tomadas por construções, muitos desempregados e um prejuízo inestimável para a economia do Estado. Esse é o balanço da situação atual das estradas de ferro da Paraíba, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias no Estado (Sintefep). A estimativa do secretário geral da entidade, Cleófas Brito, é que em cinco anos a malha ferroviária paraibana deixe de existir.
A reportagem visitou várias localidades onde, apesar de possuir uma estrutura montada, não há sinal algum de passagem de trem. Uma das estações que há cerca de 20 anos registrava-se um fluxo intenso de trens cargueiros, conhecida como ‘Paula Cavalcanti’, que fica no município de Cruz do Espírito Santo, está completamente abandonada. Como uma das principais estações ferroviárias da malha paraibana, o cenário é de caos. “Aqui era o meu patrimônio”, desabafa o ferroviário aposentado Gilvan Garcia Carvalho, ao chegar em frente à casa onde funcionava a estação.
O ferroviário, que tem 70 anos, trabalhou como chefe de estação na época de ouro da ferrovia na Paraíba (década de 1980 até a privatização da malha, em 1998), em que se registrava um grande movimento de trens cargueiros, e lamenta a atual situação observada em todo o Estado. Foram 23 anos voltados ao serviço e os traços da dedicação são verificados em um simples diálogo com o aposentado. Antes da completa desativação, Gilvan se recorda que o volume de trens foi minguando e aos poucos muitas funções foram sendo extintas, como aconteceu com a dele, que era agente especial de estação.
“Hoje não tem mais nada, está tudo parado. E pensar que era muito trem passavando por aqui. Eu fui transferido para cá em 1984 e gostava muito do meu trabalho. Para onde me mandassem eu ia com prazer”, disse, enquanto se dirigia, a pé, ao distrito de Entroncamento, no município de Cruz do Espírito Santo, onde ainda se pode ver o que restou da ‘Paula Cavalcanti’. Atualmente, Gilvan mora com a família no município de Duas Estradas, e sempre volta a Entroncamento, na maioria das vezes para visitar amigos, mas também para fazer compras, como foi o caso do peru de Natal, adquirido a um dos conhecidos da região.
Muitas pessoas que moram ao longo do trecho desativado, que vai de Cruz do Espírito Santo a cidade de Mari, lembram dos tempos em que o vai e vem dos trens era uma constante. “O que fizeram com a gente foi um crime. Retiraram de nós um meio de transporte seguro e econômico, fora o de cargas. Lembro que muitas vezes fui a casa de meus avós, em Montanhas, no Rio Grande do Norte, de trem. Presenciei o movimento diário de trens aqui em Mari, como o de passageiros que vinha de João Pessoa em direção a Natal. Não temos mais nada”, lamenta Severino Ramo do Nascimento.
Segundo ele, há pelo menos 12 anos nenhuma locomotiva trafega nas linhas férreas que cortam o município. “Uma malha construída, e sem qualquer utilidade. A estação da cidade teve o prédio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba (Iphaep) onde hoje funciona a rádio comunitária da cidade, de onde Severino é diretor.
Como não há perigo de passagem de trem, os comerciantes da área ocupam as vias com a instalação de pequenos comércios. Um exemplo é a feira de Sapé, em que muitas barracas são montadas em plena linha férrea, já que não há perigo de possíveis acidentes. Moradora de Sapé, Janaína Correia, vive há 16 anos às margens da linha de trem e disse que perdeu a noção de quanto tempo faz que não vê um trem na localidade.
O efeitos do descaso têm sido acumulado ao longo dos mais de 10 anos de privatização de todo o trecho onde circulam os trens de cargas e cujo projeto abrangeu os Estados nordestinos em sua totalidade. A partir de 1º de janeiro de 1998, a administração do serviço deixou de ser responsabilidade do governo federal, através da extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFESA), no então governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e passou para domínio de empresas privadas.
No caso da Paraíba, a concessão ficou por conta da Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), hoje Transnordestina Logística. Somente esta, abocanhou toda a parcela do Nordeste, com exceção da Bahia. A iniciativa privada passou, além de detentora da concessão do transporte ferroviário, à arrendatária dos bens operacionais vinculados à prestação do serviço.
O leilão de privatização aconteceu em 30 de junho de 1997 e a empresa vencedora do consórcio foi a CFN, com a conquista de toda a extensão que envolve a Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Piauí. “Todos esses Estados estão sofrendo, mas no nosso as mudanças foram drásticas. Perde o Estado, já que a quantidade de impostos tende a cair. No entanto, o prejuízo é bem maior e atinge toda a população, principalmente as pessoas que estão ligadas diretamente, como os funcionários”, avisou o secretário geral do Sindicato dos Ferroviários, Cleófas Brito.
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