CULTURA
Resenha da Redação: 'Trama fantasma' é um filme primoroso sobre abuso e poder
Longa conta história sobre os jogos de poder envolvidos em um relacionamento amoroso.
Publicado em 02/03/2018 às 12:10 | Atualizado em 16/03/2018 às 15:47
TRAMA FANTASMA (EUA, 2017, 130 min.)
Direção: Paul Thomas Anderson
Elenco: Daniel Day-Lewis, Lesley Manville, Vicky Krieps
★★★★★
Temas como masculinidade tóxica e relacionamentos abusivos são comuns no cinema - só nesta temporada de premiações, filmes como A forma da água e Três anúncios para um crime tratam de questões relativas aos jogos de poder entre homens e mulheres. Nenhum deles, entretanto, consegue ser ao mesmo tempo tão sutil, efetivo e impactante quanto Trama fantasma (Phantom Thread, 2018), que concorre ao Oscar de Melhor Filme na premiação deste domingo (4).
O aclamado diretor Paul Thomas Anderson (Sangue Negro, Vício Inerente) se une ao ator Daniel Day-Lewis - que, segundo ele, se aposentou do cinema após o filme - em uma narrativa que, se aparentemente simplória a princípio, termina por tecer um poderoso comentário sobre os jogos de poder envolvidos em um relacionamento amoroso.
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Lewis vive Reynolds Woodcock, um renomado e disputado estilista da Londres dos anos 1950 que produz vestidos para rainhas, nobres e membros da elite europeia em uma mansão que lhe serve de casa e ambiente de trabalho. A personalidade extremamente controladora e ritualística do estilista fica evidente desde o início e chega a ser irritante: atividades tão banais quanto o café da manhã devem seguir uma ordem rigidamente controlada, e qualquer um que viole o caráter sagrado do seu cotidiano está sujeito a seus rompantes de críticas e agressões.
É com a mesma mesura que Anderson constrói seu filme, com cuidado e perícia semelhantes ao cosimento dos trajes de Woodcock. Tudo em Trama fantasma funciona como peças de tecido meticulosamente desenhadas e unidas: os eventos são apresentados em ritmo lento, mas não monótono, que deixa o espectador no limiar entre contemplação e envolvimento. É interessante perceber como tanto as cores quanto a trilha sonora (essa composta por Jonny Greenwood) adquirem função narrativa e refletem a caótica interioridade dos protagonistas.
Apesar da competência do par de estrelas, é a atuação de Vicky Krieps que se revela como a verdadeira força destruidora de Trama fantasma e torna o longa tão bem-sucedido e efetivo.
Complexo de Alma
O rígido dia a dia de Reynolds é abalado quando ele conhece a garçonete Alma (Krieps) em um restaurante. Antes que o espectador perceba, o conturbado relacionamento amoroso entre os dois é desvelado naturalmente, e Alma logo se transforma na musa inspiradora de Woodcock, mudando-se para a mansão do estilista: simbólica é a cena em que ela adentra a casa (e a vida) vazia e silenciosa do protagonista pela primeira vez.
Logo ficam claras, entretanto, as diferenças que se impõem entre o casal: como seda e lã, ambos são feitos de matérias distintas, e as maneiras requintadas e quase paranoicas do estilista são confrontadas pela personalidade simples e extrovertida da ex-garçonete. Estabelece-se um complicado jogo de poder e controle, e Anderson utiliza o improvável romance para retratar as sutis (e as explícitas) demonstrações de abuso e dominação presentes, em maior ou menor grau, em qualquer relacionamento. O conto de fadas transforma-se, assim, em um jogo destrutivo envolvendo a necessidade de controle masculina (reforçada pela alta posição social do homem em relação à sua amante) e uma desesperada busca por atenção e carinho da mulher.
Há algo de edipiano na maneira como a atração de Reynolds por Alma é desenvolvida; as constantes lamentações do homem sobre a mãe, falecida há muitos anos, fornecem pistas para a compreensão do mecanismo de paixão e poder existente entre os amantes. A jovem vai lentamente desestabilizando o delicado equilíbrio sentimental do parceiro, desafiando a irmã e secretária de Reynolds, Cyril (Lesley Manville) e obliterando as lembranças de sua mãe.
Trama fantasma é um filme primorosamente construído e eficiente em contar uma história de amor e poder, refletindo sobre tais temas sem recorrer a clichês ou ferramentas melodramáticas. O trunfo da obra reside justamente em explorar as formas mais silenciosas e suaves de abuso tão presentes nos relacionamentos atuais: a tentativa de supressão do outro através do controle e manipulação.
Confira as resenhas dos outros filmes que concorrem na categoria Melhor Filme no Oscar 2018:
- Me chame pelo seu nome
- The post - a guerra secreta
- A forma da água
- Lady Bird - a hora de voar
- Corra!
- Dunkirk
- Três anúncios para um crime
- O destino de uma nação
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