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POLÍTICA

Fátima Bezerra defende independência do juiz

Publicado em 03/02/2013 às 8:00

Primeira mulher a presidir o Tribunal de Justiça da Paraíba, a desembargadora Maria de Fátima Bezerra Cavalcanti revela que durante sua trajetória na magistratura enfrentou situações das mais delicadas, que envolveram processos de grupos de extermínio, denúncias de tráfico de crianças e conflitos de terras entre posseiros e fazendeiros. Na última sexta-feira, ela foi empossada como presidente da Corte de Justiça, sucedendo o desembargador Abraham Lincoln. Ela anunciou algumas ações para marcar os 100 dias de sua gestão, como a instalação da Ouvidoria da Justiça, que terá como primeiro ouvidor o desembargador Fred Coutinho.


JORNAL DA PARAÍBA - Presidir o Tribunal de Justiça nos 120 anos de fundação como mulher, como a senhora se sente?

ENTREVISTADA - Honrada! Não existe palavra mais adequada para manifestar meu sentimento neste momento histórico para o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, até então, nunca presidido por mulher. Foi preciso mais de um século para a quebra de tabus, o que só aumenta minha responsabilidade e preocupação em executar uma gestão operacional e moderna.

JP - Como a senhora vê a mulher que ascende ao mercado de trabalho, especificamente na área da magistratura?

ENTREVISTADA - Não é mais novidade a ascensão de mulheres em cargos de comando nas áreas privadas e públicas, a exemplo da presidente da República, Dilma Rousseff. Quem imaginaria essa possibilidade em outros tempos? Na magistratura – antes apenas reservada aos homens – não é diferente, com a crescente inserção feminina nos seus quadros, como ocorre nos tribunais superiores, onde ministras têm se destacado pelo notável saber jurídico e espírito progressista, como Eliana Calmon, Fátima Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Maria Thereza Moura e, no Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia Antunes, que presidiu as últimas eleições municipais em todo o país. Bem se expressou o ministro Celso Melo certa feita: “Inaugura-se uma clara e irreversível transição para um modelo social que não mais convive com a intolerável discriminação de gênero e com a inadmissível exclusão preconceituosa das mulheres nos processos sociais e políticos”.

JP - A senhora se sente realizada como magistrada? Conte-nos um pouco da sua trajetória.

ENTREVISTADA - Trata-se de uma trajetória comum ao magistrado de carreira que se submete a concurso público e ascende naturalmente às entrâncias do Poder, de acordo com os critérios constitucionais e legais. Ingressei na magistratura no ano de 1984 e atuei como titular e substituta nas comarcas de Pilões, Guarabira, Rio Tinto, Mamanguape, Bayeux, Santa Rita, Campina Grande e João Pessoa, inclusive, acumulando em determinados anos, o juízo eleitoral, realizando eleições. Estive à frente da Vara de Conflitos Agrários e Meio Ambiente, fui corregedora auxiliar por um biênio, não renovando o período por ter sido convocada para substituir o desembargador Marcos Novais, que se ausentou do TJ por cerca de um ano por problemas de saúde. Na Corte, durante um período longo e contínuo, pude desenvolver um trabalho em colegiado e, integrando uma lista tríplice por merecimento, fui alçada à desembargadoria em 2002, na então gestão do desembargador Marcos Souto Maior. Em segundo grau, tive a oportunidade de me engajar na luta pela instalação das Varas da Violência Doméstica contra as Mulheres e no Núcleo de Conciliação e Mediação dos Conflitos.

JP - A senhora é marcada pelo pioneirismo, inclusive foi a primeira mulher colocada no concurso da magistratura. Integrar a Corte desde 2002, formada em sua maioria por homens, a senhora sente ou já sentiu alguma discriminação?

ENTREVISTADA - Não, pelo contrário, fui muito bem acolhida com naturalidade na magistratura por seus dirigentes e, depois, meus pares. Todos entendem e acompanham as mudanças em curso de um novo modelo de sociedade, mais igualitária, mais justa e mais tolerante com a quebra de paradigmas relativa ao gênero. Aliás, no decorrer de toda a minha vida funcional, sempre estive a enfrentar situações delicadas e jamais o fato de ser mulher, de ter passado um tempo divorciada e de ser esposa de um político atuante, impediram-me de exercer em plenitude e com serenidade a judicatura. Encarei com tranquilidade e com a determinação que o cargo exige, situações que envolveram processos de grupo de extermínio do Brejo paraibano, de denúncias de tráfico de crianças na região metropolitana e de conflitos de terras entre posseiros e fazendeiros. Essas e outras situações fazem parte do trabalho corriqueiro de qualquer magistrado que tem simplesmente o dever de sempre agir com independência e coragem.

JP - Hoje há uma ampliação nas funções de julgador? Existe então um papel social atual do magistrado?

ENTREVISTADA - Para responder a esta pergunta, vou usar uma frase do ex-presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ministro Carlos Ayres Brito. “Nossa função é conciliar o direito com a vida”. Na poesia da frase, fica evidente o peso da responsabilidade do magistrado dos nossos dias.

JP - Nesse prisma, qual o maior desafio do Judiciário brasileiro? Celeridade, eficiência ou comprometimento com as causas sociais?

ENTREVISTADA - As três coisas conjuntas. Trabalhar com eficiência significa dar ao povo uma resposta pronta, objetiva e rápida acerca do direito que o povo reclama como seu. Justiça tardia, já dizia Rui Barbosa, é injustiça manifesta. Portanto, celeridade nos julgamentos dos processos deve ser meta de todo magistrado, e como alcançar essa celeridade é uma questão de gestão de cada um e da magistratura como um todo, através de aplicação de métodos mais modernos e mais eficazes nas conduções dos procedimentos. Primeiramente, precisamos de mais juízes e mais servidores, tendo em vista o descompasso entre o número de demandas e a estrutura de pessoal que dispomos. Depois, necessitamos aprimorar o nosso sistema de informática, buscar a padronização de métodos de trabalho e ampliação tecnológica, pois processos eletrônicos e rede de informática eficientes só melhorarão a qualidade do serviço. Para isso, há de se buscar uma ação conjunta com outros órgãos públicos, sobretudo com o Poder Executivo, que é o repassador dos recursos orçamentários. Com uma resposta financeira positiva, convênios com entidades públicas, a exemplo da UFPB, do Unipê, da Asper, UEPB, Facisa, Iesp e outras, mas, sobretudo com essas parcerias político-administrativas, nosso raio de atuação jurídico laborativo irá atender com mais eficiência aos anseios da sociedade. Um Judiciário comprometido com as causas sociais é um Judiciário do novo século, que deve trabalhar em harmonia com os demais poderes e órgãos de apoio, como Ministério Público e Defensoria Pública. Necessitamos de uma Justiça aberta que vai em busca da efetivação dos direitos dos cidadãos, por meio do diálogo com a sociedade, as instituições públicas, dando-lhes não apenas o resultado impositivo das demandas através de sentenças definitivas que de definitivas pouco têm, em virtude de inúmeros recursos, porém que lhes oferece uma justiça alternativa e satisfatória através de métodos autocompositivos de soluções de conflitos, valorizando a pacificação social. Até ouso acrescentar que um Judiciário comprometido com causas sociais é, também, aquele informativo, que através de um trabalho de conscientização e de politização de cidadania, apontando os deveres e direitos de cada um, estará a contribuir com a diminuição de litígios judiciais, incutindo a cultura da pacificação.

JP -A senhora tem algum planejamento para sua gestão? Algumas metas prioritárias nesse sentido?

ENTREVISTADA - Pensamos, minha equipe e eu, em reavaliarmos toda a gestão estratégica do tribunal dos últimos anos, aliás, esta é uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça. Reservamos 100 dias para uma reanálise de conceitos e implantação de programas. São eles: “Apresentando o Judiciário”, sob a supervisão do desembargador Leandro dos Santos; “Paraíba, Judiciário e Segurança”, coordenado pelo desembargador Joás de Brito Pereira; “Lei Seca, um brinde à vida”, tendo à frente o juiz Fabiano Moura de Moura e, por último, a instalação da Ouvidoria da Justiça, tendo como primeiro ouvidor desse Estado o desembargador Frederico Coutinho da Nóbrega. As atividades planejadas para os 100 primeiros dias de gestão da nova mesa diretora do TJPB foram pensadas juntamente com a corte, sobretudo, em perfeita sintonia com o vice-presidente do tribunal, desembargador Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, tendo em vista, que os desembargadores são fundamentais para a eficácia destes programas. Ninguém consegue realizar um trabalho eficiente de forma isolada. As ideias emanaram dos próprios magistrados, dos servidores, através de um estudo, considerando-se as demandas da sociedade. São ações prioritárias de início de gestão que desencadearão outras. Teremos ações permanentes de gestão em todo o Estado. E nessa busca incessante de executar um bom trabalho está a preocupação de humanização acentuada do nosso serviço, oferecendo não só uma prestação jurisdicional de qualidade ao cidadão, mas tentando implantar no coração de cada servidor a paixão pelo seu trabalho, pois o que é feito com amor, torna-se mais prazeroso e produz fruto da melhor qualidade.

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Jornal da Paraíba

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